Senescência Máxima
Futuro irreal
JJ DE SOUZA
Q
|
uando Alexander Kuhn anda sozinho pelo décimo segundo andar
o que ele sente é medo,uma sensação de desconforto acompanha o seu corpo,
completo desprazer, algo que não se pode colocar em palavras, como se toda
espécie humana estivesse destina a um dia estar naquele andar.
Kuhn nesse momento estava andando nos
corredores limpos, de um branco inóspitos, sente o que é extremo da natureza
humana,um local de contradição extrema, onde não há vida porém a vida persiste,
uma tradução do medo enlouquecedor da morte.
Alexander Kuhn sentiu uma vertigem, por
melhor que fosse o isolamento do traje, ainda assim o fedor passava e ficava
empregado em suas narinas, por isso estava sem dormir a alguns dias, na verdade
Kuhn nem lembra o dia que dormiu direito.
Quando conseguia dormir sempre tinha o
mesmo pesadelo: corria de homens armados que o perdiam e colocavam no décimo
segundo andar junto a Dorothy onde passaria apodrecendo por trezentos anos, ele
gritava de horror, queria morrer dignamente e quando enfiavam o tubo de
respiração pela traqueia Kuhn acordava engasgado, suado dos pés a cabeça,
apavorado, cuspia sangue e vomitava ali mesmo perto da cama.
Há dias alguma coisa estava errada com
a sua saúde, tinha sentido tontura e seu estomago doía, cuspiu sangue a semana
toda e havia os pesadelos, não era compreensível aceitar aquelas alterações
corporais como normais, trabalhou como auxiliar médico a vida toda, porque só
agora tinha medo do trabalho?Seria um pressentimento de um mau futuro?
Do fim?Da morte?Então quantos anos ele
tinha?
Sessenta e dois, estava na flor da
idade, humanos não morriam mais antes dos cento e setenta anos, para a maioria
das pessoas as doenças haviam acabado.
Jogou os pensamentos para fora de sua
mente e deu uma olhada no enorme
corredor cheio de enfermaria e respirou fundo pela mascara de oxigênio a cem
por cento.
Outra
pergunta que se fazia continuamente: para que tudo aquilo?O que o governo pretendia
com todas aquelas pessoas ali entregues a aparelhos e cuidados de terceiros?O
amor dos familiares parecia distante para Alexander Kuhn.
Tudo bem!Era o seu emprego e ele desejava
aquilo pelo menos para o seu sustento, não tinha saída, não havia outro
trabalho digno, não sabia fazer outra coisa.
O
que fazia Kuhn pensar é que as pessoas se iludiam com um falso apego extremo a
vida, ou não?Pois era a vida dos outros e não a suas. Tinha visto alguns deles
implorar pela morte ainda quando podiam falar.
Kuhn sabia que para o governo era
apenas um negócio, ou mais uma forma de roubar verbas que nunca eram
suficientes para saúde e daí quem liga? A impressa?Não, ela está ocupada demais
em busca de audiência,
O
judiciário preocupado com o cidadão, aquele que comete o crime, nunca fiscaliza
o poder publico parece ser um acordo de cavalheiros, você me ajuda que eu te
ajudo, judiciário procurava a paz com os políticos, assim mantinham seus altos
salários e eles viviam toda uma vida intocável, como deuses do olimpo.
O que aqueles pensamentos faziam na
cabeça de Alexander Kuhn?Seria uma doença?
Kuhn deu cinco passos e desconectou uma
sonda, retirou as fezes e trocou a mangueira de oxigênio do 1203, então olhando
para a figura patética de face pálida teve um outro pensamento: por que eles
estariam protelando tanto a morte daquela maneira?
Aquelas perguntas vinham a sua cabeça
nos últimos tempos, talvez estivesse ficando louco?O que ele achava, pois os
pensamentos sugiram depois que assumiu o décimo segundo andar, talvez fosse o
formol? Ou a roupa robótica de proteção que era fechada a vácuo? Algo mudou em Kuhn
depois que fez sessenta anos e foi promovido para a sua ultima etapa de
cuidados.
A verdade nua e crua é que nunca havia
pensado assim nos outros, em como o seu destino estava ligado ao daquelas
pessoas.
Aquilo era bobagem vida é vida, não
temos que discutir o destino, por exemplo Kuhn era filho de uma costureira e
vendedor de sapatos, teve a infância pobre, porém devido aos esforços do pai
estudou na politécnica, o que foi triste é que após a formatura os seus pais
morreram a exatamente um ano atrás, segundo a equipe médica de causas naturais.
Para lembra-se da mãe ele tinha como
passa tempo costurar, optou por não casar nem ter filhos, formou-se na Universidade
central, escola politécnica a pedido do pai escolheu a carreira de auxiliar médico.
Sua formatura foi com mérito, pelo
menos era o que constava no seu diploma, apesar de um dos professores, de forma
maldosa alertar que Kuhn vinha de família humilde e que não prestaria para
serviços médicos de confiança, além disso, o pai de Alexander era ateu, nessa
época a medicina era considerada uma dádiva de Deus.
Fez
um estagio na MELF, nem era a área que queria trabalhar, porém foi rejeitado
nas outras duas tentativas, o hospital geral e na funerária.
Acabou que foi o preferido da MELF.
Um dos diretores o entrevistou
pessoalmente, explicou o programa e disse sorrindo que queria homens como Kuhn,
que eram pagos para cuidar de pessoas idosas com muito carinho.
Um mentiroso, aquele executivo de barba
fina e sorriso serrilhado como o de um tubarão, não havia sentimento nas
palavras do homem, certamente não era verdade o que falava sobre Alexander
Kuhn, o trabalho na MELF era preterido pelos demais estudantes, sobrando apenas
Kuhn para desempenhas a função odiosa de cuidados aos pacientes da alta
senilidade.
O trabalho era feito pela MELF com
objetivo de obter lucro direto da ilusão dos parentes ou da tendência do ser
humano a representar o papel do bom samaritano, do bom filho, do ótimo neto
diante da culpa ou da vergonha, Kuhn cuidava de uma vida que não existia, porém
isso não era da conta dele, da MELF, do décimo segundo andar ele só queria o
salário.
O que era um fato, o sustento tinha que
existir, o que não significava ser fácil retirar o sustento daquele trabalho,
ele não podia reclamar com os patrões, não podia falar com os parentes e, nem
mesmo, ter uma opinião. Quando Alexander levantava pela manhã nos dias que
conseguia dormir dizia:
-Vou lá dou tudo de mim no trabalho e
pronto, não questiono nada, não falo nada, trabalho e venho para casa – isso
ele nem sempre conseguia fazer e por muitas vezes colocou o seu emprego em
jogo.
O mundo deveria conviver com a morte, pensou Kuhn
enquanto calibrava a parenteral do 1204, para Kuhn havia uma grande tristeza
naqueles corredores uma tristeza que simbolizava o quanto a ciência estava
errada, mesmo quando estudante discordava da forma como as pessoas encaravam o
progresso cientifico.
Kuhn leu muitos pensadores na escola
técnica, alguns que diziam que o homem chegaria ao máximo da ciência como Francis
Fukuyama em uma de suas frases preferidas: “Se as pessoas que precisam
trabalhar juntas em uma empresa confiam umas nas outras porque estão agindo
segundo um conjunto comum de normas éticas, o custo de se fazer negócios
diminui.”
A ética, por algum tempo foi de
interesse de Kuhn, lembra-se do pensamento de Pascal: ”A consciência é o melhor
livro de moral e o que menos se consulta.” Há muito tempo deixou o estudo de
ética, da filosofia e da moral pelo hábito da costura.
Para Kuhn o
seu trabalho deveria ser apenas um sequencia de eventos de um técnico em
medicina, andava pelos corredores, checava cada paciente, conferia os
respiradores desentupia sondas e ajustava alimentação parenteral, não havia
muito ar puro, o odor lembrava um necrotério ou um laboratório anatômico da
faculdade de medicina.
O quarto 1201
era de Dorothy, a interna preferida de Kuhn e a primeira do seu andar, uma
senhora distinta que foi bailarina, seus filhos mandavam uvas e rosas em todos
os dias das mães, compravam presentes de natal e eles festejavam seu
aniversário, tudo dentro de um circuito interno de TV nas suas casas, um ritual
vazio, no entendimento de muitos, inclusive do seu chefe direto Lutz, porém no
caso de Dorothy, talvez só nesse caso, aqueles festejos agradavam Kuhn, pois
não se lembravam de ter um aniversario comemorado assim com tanta alegria, pois
seus pais eram pobres, ele achava os parentes de Dorothy milagrosamente
sinceros, muitas vezes se perguntou o que eles tinham de diferente, nunca soube
explicar.
O Kuhn olhou para Dorothy, algum dia
foi muito bonita disso Alexander tinha certeza, tinha gravações de Dorothy em
sua tela visual: O Quebra Nozes, Coppélia,
O Lago dos Cisnes, Don Quixote, La
Fille Mal Gardée, só para citar alguns dos espetáculos de balé que Kuhn
vislumbrava e amava, sempre sonhou em assistir em algum balé ao vivo em algum teatro,
os movimento sempre bucólicos e enriquecidos pelo som da ópera eram lindos, acompanhava
aqueles espetáculos com os olhos cheios de lagrimas todos os dias, assistia
pelo menos dois a cada dia.
-Como o ser humano é capaz de gerar
tanta beleza e depois toda essa região de apelo desesperado para permanecer
vivo, além de sua condição genética?– pensou Kuhn em voz alta, como sempre
fazia se orgulhava de ser humano, ele sabia que havia centenas de robôs
humanoides desempenhando funções humanas, Kuhn desprezava robôs, certamente não
tinham sentimento e nem amor a sua família, ele pelo menos sentia falta da mãe
,se empolgava com a extraordinária
beleza de Dorothy.
O que ficou da Dorothy bailarina vista
no balé na tela facial de Kuhn foi pouca coisa, o que sobrava apenas os olhos
azuis e um fragmento da expressão doce que lembrava um anjo.
O que Kuhn achava triste é que agora
seu corpo parecia de um cadáver, com suas pernas magras sem musculatura,estavam
chupadas e sem consistência,havia apenas uma musculatura rudimentar que não
sustentaria o corpo, a não ser por um milagre da ciência, Dorothy estava de
fralda, seus seios flácidos e secos à mostra ,Kuhn sabia que alguns parentes
reclamavam da nudez, porém um dos panfletos informativos da MELF explicava
sobre o ressecamento da pele, e porque ficavam nus, pois maior parte do corpo
precisava ser umidificada a cada três minutos por um robô.
Um tubo que entrava pela traqueia e mantinha
Dorothy viva, fornecia oxigênio em ritmo e pressão adequado ao velho pulmão.
Única demonstração de vida de Dorothy e que
podia ser observados pelos parentes nas festas que promoviam, algumas vezes de
forma intransigente e melancólica era exigido pelos parentes, isso mesmo, eles
exigiam o registro do batimento cardíaco no monitor, monótono e regular e mais
acima, no mesmo monitor, o eletroencefalograma mostrando a atividade cerebral,
nada mais, nenhum sinal de atividade muscular.
Olhou para o
relógio.
-Estou
atrasado – falou dentro da roupa de proteção, um equipamento robótico
totalmente automatizado e controlado por um computador central onde a presença
de Kuhn era necessária para checagem in loco, era estranho escutar o som da
própria voz dentro da roupa, um eco que soava metálica como se fosse outra
pessoa.
Usava a roupa
porque aquele grupo de pessoas estava colonizado por bactérias
multirresistentes que não agrediam mais aqueles corpos envelhecidos, que viviam
embebidos em substancias anticépticos, no entanto poderiam fazer um estrago
pessoas aparentemente sadias como Kuhn.
O isolamento biológico tinha que ser
total, se Kuhn não usasse a roupa poderia trafegar em mãos e narinas com
bactérias que poderiam matar pessoas de seu convivo.
Andava pelo corredor principal quando
viu uma ferida na perna no paciente do leito 1205.
-Merda! – Gritou Kuhn, pois o quarto
1205 era onde ficava um dos executivos
da MELF internados no décimo segundo andar, um dos donos, na verdade o sócio
majoritário.
O executivo era considerado um novato
no décimo segundo andar, até três dias atrás estava na UTI no sétimo andar.
Um homem de grande longevidade, contava
duzentos e trinta anos, caquético,
flácido, seu cabelos brancos estavam penteados para traz, pernas finas, olhos
esbugalhados, desde que chegou Kuhn não gostou dele,o oposto de Dorothy, a
verdade é que Alexander Kuhn passava pelo leito do executivo o mais rápido
possível.
Kuhn
leu o nome na placa de metal : Mansur Melf.
-Vou ter que parar aqui - Kuhn praguejou,
ficaria retido ali até resolver o problema, o homem foi engenheiro químico e um
dos fundadores da MELF, um símbolo para a companhia, os filhos e netos dele
eram os atuais patrões .Olhou para a ferida, tinha um formato estranho. Teve
náusea.
-Esse aspecto da ferida não está nada
bom- pensou em voz alta novamente o Kuhn, sempre fazia isso.
Kuhn pegou um curativo.
Olhou para a
ferida.
-Vermes. –
falou sozinho dentro da caixa acústica da roupa robótica deu um passo atrás
súbito, envolvido pela náusea e o nojo, havia vermes, isso não era permitido no
décimo segundo andar, alguma coisa estava errada.
Foi até a ala
de comunicação e apertou o botão.
-O que é
Alexander? – disse a voz de mau humor, provavelmente era o turno do Lutz.
-Temos vermes
no Mansur – disse Kuhn.
-Merda, onde
é?
-Perna
direita, próximo ao joelho – disse Kuhn.
-Não corta
fora a perna, pelo amor de Deus – disse o homem – espera um pouco.
-Tenho Um
manual a seguir aqui, Lutz, se não houver nenhuma ação impeditiva tenho que
cortar a perna e jogar no incinerador.
-Falo com a
família em um minuto – disse Lutz – Não posso perder esse emprego, pelo amor de
Deus não corta essa perna.
-Preciso de
uma autorização digitalizada na minha tela facial dos familiares dizendo o que
vou fazer, têm que ser rápido, é um verme perigoso e miserável, eles se espalham
e atingem outros internados se não agirmos rápido teremos que queimar o décimo
segundo andar, são pragas, entende Lutz?Não sei o que aconteceu, o anticéptico
deveria manter esse tipo de contaminação longe – fez uma pausa para olhar o
relógio novamente - os testes começaram hoje, não é? – perguntou Kuhn.
-Como? – disse
a voz humana de Lutz.
-Os testes da
MEFL com aquela droga, você sabe?As coisas do rejuvenescimento, alguma merda
assim, me disseram que começava hoje? – disse e olhando na tela visual
esperando uma resposta.
-Começou
ontem, mas parecer que o Mansur já estava usando na UTI, pelo menos é o que
disse a agencia oficial, esse teste não são para nosso bico, além do mais
ninguém acredita neles, não a ciência séria, olhe para essas pessoas, elas não
vão levantar daí, sem músculos, nem ossos, e a mente, tudo destruído, como é
possivel uma pessoa voltar dessa condição?- disse Lutz, Kuhn sabia que ele
estava fazendo hora para contatar os parentes de Mansur, podias ouvir a
respiração de Lutz, ele voltou a tela facial - ninguém acredita nisso, dizem
que é outra tentativa frustrada de trazer a vida dessas pessoas infelizes de
volta, deve ser por isso que os vermes apareceram, o antisséptico foi suspenso
para os testes – Lutz começava a irritar Kuhn com a conversa fiada, havia um
protocolo – estou enviando a resposta dos parentes, ande depressa, quero pegar
o café grátis na cantina Hudson Cafeteria.
Kuhn balançou
a cabeça afirmativamente, era o seu desejo fervoroso, um café,além de costurar
tinha o hábito de tomar café, esse Alexander havia herdado do pai, compulsivo
estudioso autodidata e tomador de café, as vezes a lembrança que vinha a sua
mente era do pai em seu escritório com um livro de capa dura na mão e chamava
Kuhn.
-Venha meu
filho vou ler uma frase de Kafka para você.
Alexander
sentava-se em uma banqueta, pelo que se lembrava tinha apenas doze anos, sentia
a loção de barba de pai e o cheiro do café.
-“ Um
livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”, como essas palavras
sobrevivem ao tempo, como o homem pode fazer alguma coisa tão bela depois
destruir a sua existência, somos perecíveis meu filho, porém o que fazemos,
escrevemos ou dizemos pode de alguma maneira ficar eternizado – disse o pai de
Kuhn.
-E de que
adianta ficar eternizado se a pessoa morre? – perguntou Kuhn em sua inocência.
-Por que é
belo – disse o pai.
-Para mim belo
é viver ao ar livre e respirar ar puro, não sei porque essa frase tem tanta
importância – disse Kuhn na sua inocência de doze anos.
-Talvez por
que seja criança sua sabedoria é maior que a minha – disse o pai.
Kuhn teve um
sobressalto e voltou a realidade
Dois minutos
depois apareceu um comunicado.
-A família não
quer amputar – disse o homem do outro lado, dessa vez um careca de roupa
executiva com emblema da MELF – para retirar os vermes com a pinça e cauterizar
a ferida com nitrogênio líquido, esta é uma determinação oficial e já foi em
juízo, na sua tela facial tem a assinatura digitalizada de um juiz.
Kuhn odiava
aquele emprego, depois que cumpriu a humilhante missão de retirar manualmente
os vermes e lacrar a ferida, tirou a roupa, tomou um banho.
A única chance de Kuhn era um emprego
como nutricionista em uma fabrica de alimento reciclado, recebeu o convite por
Email dois dias atrás, o salário era pior e quase não bancava o seu sustento,
mas não tinha vermes, estava decidido que iria tentar e aceitar o emprego na
fabrica de comida, pagava menos, três vezes menos, no entanto não tinha que
aguentar aquilo!Vermes, todos os paramédicos sabem que os curativos a vácuo não
detém os vermes, algumas espécie de vermes parasitavam inclusive seres vivos,
ele mesmo teve que tirar dois da orelha direita o ano passado, no entanto a
família MELF correria o risco a ver o seu idoso com a perna mecânica, Mansur
era uma lenda nas ruas.
A vida dentro do perímetro da cidade
central estava difícil, não queria ficar pensando em tudo aquilo agora,
precisava do café, desceu ao elevar central para tomar um capuchino.
A TV estava
ligada, havia um comunicado do governo. Normalmente Kuhn não assistia esses
comunicados, detestava a TV, assistia dia e noite a TV padronizada que ele
mesmo criou na rede de computadores, ele achava que a maioria das pessoas já
fazia assim, por uma estranha razão ainda havia transmissões ao vivo e uma TV
aberta que de alguma forma tinha grande influencia nas pessoas.
A repórter entrevistava
um homem de barba branca James Duroof, físico e biólogo, ganhador do Premio Nobel.
Kuhn olhou bem nos olhos do homem, não parecia velho, porém se esforçava para
parecer, cabelos e barbas bem brancos, contrastando Duroof tinha a pele lisa e
olhos azuis que davam um aspecto jovial.
-Diga senhor
Durrof, aonde suas pesquisas com células troco e o vírus Delta vão levar nossos
idosos em todas as casas de repousos deste planeta, pelo que sei tem uma ótima
noticia para nossos telespectadores?O senhor sabe que os nossos idosos são
pessoas muito queridas, muitas famílias estão ansiosas, assim como eu – a
repórter fez um sinal para câmera que Alexander Kuhn achou estúpido – oi vovó –
disse a repórter sorrindo e fazendo o gesto de adeus com as duas mãos.
-A MELF,
empresa para qual eu trabalho,é uma empresa séria e conhecedora de sua
responsabilidade social, chegamos a uma grande descoberta, resultado de anos de
pesquisa que enfim um caminho para a verdadeira longevidade, uma forma querida
de mantermos nossos idosos saudáveis e ativos, nada de parente em camas de
hospitais, segundo essa nova descoberta isso é passado. O que os cientistas da
MELF querem é nossos entes queridos, avós, bisavós livres dessas máquinas e
vivendo seus últimos anos sem dignidade – ele parecia ter total domino do
assunto, tomou um pouco da água e continuou - células tronco modificadas pelo vírus
Delta podem recuperar cérebros, músculos e osso, trazendo de volta entes
querido para o nosso convívio, para o calor humano.
-Outras
pesquisas com células troncos fracassaram, por que essa daria resultado? –
disse a repórter
-Sabemos disso, controlamos o resultado,
no últimos cinco anos, pesquisas secretas e intensas, é possível que por um
período de um ano que ainda fiquem em casa de repouso, eles vão poder jogar
cartas, participar ativamente das festas, brincar com netos e bisnetos– ele fez
uma pausa e olhou de forma grave e séria para câmera –O que é mais importante
nesse projeto é que tudo ocorre em um tempo absolutamente real para os
familiares, não levará anos de reabilitação, diria até que tudo se processa em
tempo recorde, três dias já teremos alterações neste quadro estático horroroso
que se encontro centenas de pessoas as quais muitas são do nosso convívio –
Durrof pegou um gaiola com um animal – quantos anos a senhora tem, senhorita
Karla?
-Que mulher
gosta de responder a essa pergunta, não Dr. Durrof? Tenho 30 anos,estou no meu
primeiro ano na tv. – disse sem graça por ser tão jovem.
Kuhn desprezou
a repórter, ela estava sendo negligente na entrevista. Tinha muitas perguntas
capciosas para fazer, deveria desmascarar Durrof, porém apenas conduzia as
palavras controladas politicamente e ideologicamente por algum editor mais
velho que estava por trás das câmeras, ingênua a repórter seguia um roteiro, Alexander
voltou a prestar atenção na entrevista.
Durrof pegou
na mão da repórter e disse.
-Uma criança ainda,
tão jovem, com carreira promissora pela frente, se tivesse trinta anos falaria
o tempo todo a minha idade – disse rindo e a plateia acompanhou -, agora esse
animal tem quarenta anos – apontou para o cão - , o que para humanos
equivaleria quase a trezentos – disse passando a mão no cão.
-Realmente
impressionante – disse a repórter um pouco intrigada com o cão “minha nossa
cães geralmente são simpáticos, esse parece algo feroz, maligno, sei lá” pensou
a repórter, depois voltou a prestar atenção em Durrof e acrescentou- essa
tecnologia estará disponível para a população?
-Hoje, essa é
uma realidade imediata da MELF, para quem tem recurso, para quem não tem há
várias linhas de financiamento, e o governo estuda um programa para indigentes
– disse Durrof, todos da plateia aplaudiram, como nas comedias de risos
enlatados.
Kuhn pensou
que seria mais um motivo para enriquecer esses executivos sanguinários da
companhia MELF, para qual trabalhava, teve vontade de cuspir e, de forma
inadvertida, cuspiu no chão da cafeteria, sangue, poderia estar doente? Precisava
de um exame de sangue, olhou para aquelas pessoas patética comemorando a
descoberta de Durrof.
-Imbecis –
disse para seus botões, apertou o estomago dolorido, então pagou os seis
creditos pelo café e saiu, tinha que comprar umas linhas para costurar uma de
suas calças, apenas a costura acalmava nesses dias, o café piorava um pouco a
dor que sentia no estomago.
Kuhn andou pela rua sombria, o numero
de pessoas havia aumentado muito, porém a tecnologia, a policia, o exercito,
trazia segurança para os ricos, juízes e políticos, enquanto o resto
escorregava pelas sombras sofrendo com todo tipo de violência, governo
controlava apenas o salário, todo resto subia, inflação,dentre os itens que
mais se elevava naqueles turbulentos dias, estavam desemprego e principalmente o lucro, então a
única forma de revide social era o crime,por isso Kuhn ficava longe das ruas,
caminhava até o armarinho e voltava para o seu apartamento, sempre em uma moto
supersônica com o emblema da MELF, de alguma forma os criminosos respeitavam a
MELF mais do que a policia robotizada da federação.
Comprou a
linha quando sentou na moto para retornar para casa viu a luz de o comunicador
ascender, Lutz o seu chefe imediato estava chamando, por quê? Kuhn estava no
seu único dia de folga.
Kuhn
pensou: ”ainda posso estar doente”, pois tinha aquela dor no abdome e o gosto
de sangue na boca, havia trabalhado três turno sozinho precisava de descanso,
tinha certeza que estava com alguma doença, precisava ir ao médico.
-O que foi? –
disse Kuhn.
-Precisamos de
você Kuhn. – disse a voz humana.
-Estou de
folga, preciso descansar, ando meio adoentado.
-Nada disso –
disse a voz – lembra aquela ferida?
-Sim.
-Não era uma
ferida – disse a voz humana – não posso falar mais venha para o prédio numero
um da MELF.
O complexo
MELF era dividido em quinze prédios somente para casas medicas de repouso,
todos com doze andares na chamada ilha três a setenta quilômetros mar a dentro,
totalmente isolado da cidade, casas de repouso eram proibidas na zona central,
por isso os paramédicos tinham motos supersônicas, voltar seria perder
inteiramente o seu dia de folga, Kuhn sabia que alguma coisa muito grave havia
acontecido, poderia ser a disseminação dos vermes?
Kuhn fez a
volta na motocicleta e voltou à alta velocidade até o prédio. Humanos e robôs
da policia cercavam todo o perímetro, humanoides estavam armados com poderosas
armas de titânio, pareciam preparados para a guerra.
Alexander tentou falar com aqueles robôs,
não adiantava falar com os robôs eles não respondiam, eram programados para
fazer uma função manter o cerco as plataforma de entrada e saída da ilha, Kuhn
entrou e foi até a sala de desintoxicação e assepsia, depois que vestiu a roupa
robótica de proteção um dos guardas segurou seu braço.
-O que foi? Trabalho
aqui foi Lutz que me chamou de volta – disse Kuhn.
-Gerencia quer
ver você, no escritório central do prédio Um da MELF – disse o policial.
Kuhn foi até a
sala da gerencia, deveria ser algo muito grave, pois ele não se lembra de ter
ido a gerencia alguma vez, nem de ter entrado no escritório central do prédio
Um da MELF.
O homem de
terno e gravata em frente a monitores de TV era Lutz, gerente geral, nem olhou
para o Kuhn quando ele entrou.
-O que viu na
perna do Mansur Alexander? – disse o burocrata.
-Já disse, eu vi
uma ferida, uma escara cheia de vermes, disse que o certo era amputar, agora
temos uma infestação, não é?. – disse Kuhn impaciente por estar naquela merda
bem no seu dia de folga.
-Você tocou
nela? – disse Lutz.
-Fiz o
curativo, com a roupa robótica de proteção – Kuhn olhou de canto de olho para
os monitores.
Kuhn ficou
confuso.
-As marcas não
são de escaras Kuhn, aquilo era uma mordida humana.
-Não é
possível, quem morderia a perna de um interno? – assustou-se com a afirmação do
burocrata.
-Olhe – disse
o burocrata mostrando uma imagem nos sete monitores a frente.
O burocrata
Lutz mostrou no monitor, o que apareceu o andar que Kuhn trabalhava foi
inominável, havia um caos de sangue e horror, pacientes se arrastavam, alguns
carregavam o tubo de respiração e a sonda juntos ao corpo, outros pareciam mais
fortes, andavam e alguns até corriam. Quando conseguiram acesso ao corredor
desciam as escadas como se procurassem ar puro.
Kuhn não acreditou nos seus olhos,
havia o caos, os corredores dos últimos andares estavam cheios deles, os
internos da casa de repouso atavam o que ou quem aparecia pela frente.
O que parecia a Kuhn é que havia muita
fome, eles se atacavam mutuamente, em monitor dois atacavam um policial e
devoravam suas vísceras, cinco deles tinham chegado ao solo e atacavam pessoas
que aguardavam para ver seus parentes, uma mulher grávida teve o braço esquerdo
arrancado, Havia muito sangue espalhado pedaços de corpos, Kuhn entendeu que o
impossível aconteceu :os pacientes em senescência extrema estava saindo do seu
coma de uma forma completamente diferente que seus familiares imaginavam, mesmo
os cientistas da MELF poderiam prever.
-Uma reação
zumbi?
O homem balançou
a cabeça afirmativamente.
Kuhn conferiu
a arma de titânio, porém o burocrata disse.
-Guarde sua
arma, nem o governador nem os juízes permitem a força nesta ação, temos que
capturá-los vivos, por enquanto os prédios estão lacrados.
-Há pessoas lá
dentro – disse Kuhn.
-Sei, mas nada
podemos fazer, eles já contaminaram a maioria dessas pessoas, você sabe o que
ocorre quando uma pessoa está contaminada. – disse Lutz.
Kuhn olhou
para a tela onde Dorothy consumia o braço esquerdo de Mansur, seu olhos haviam
mudado, seus dentes estavam enegrecido pelo sangue e a carne de Mansur, não
parecia mais a Dorothy bailarina, para Kuhn aquela face gentil havia se tornado
em um demônio feroz a procura de carne humana.
Lutz apontou
para o protocolo MELTZ na mesa.
-Sabe o numero
de casa de repouso que já testaram a droga da MELF? – Perguntou Kuhn
-Todas. –
Disse Lutz sentando na cadeira giratória – a sorte é que o programa começou
pela ilha, então a coisa está lacrada aqui.
-Por que não
devemos interferir, o que estão fazendo – perguntou Kuhn preocupado e olhava
para todas as telas havia morte.
-Os prédios
estão isolados, aguardo o governador, temos que esperar – disse o burocrata.
-Por isso me
trousse de volta, o prédio Um também foi isolado, não é? – disse Kuhn.
Luzt balançou
a cabeça afirmativamente e disse.
-Estamos em
quarentena, a ilha toda está, no perímetro apenas robôs humanoides.
-Por que não
vamos lá e matamos esses Zumbis? – disse Kuhn olhando para olhos pequenos e a
cabeça redonda do burocrata.
-Porque
ninguém sabe como matá-los – disse olhando nos olhos de Kuhn – não sei se de
interesse da MELF matá-los, acho que fazemos parte de um tipo de teste, sabe
como é, para o bem da ciência.
Houve um silencio
então Lutz pegou um café e disse.
-Você não sabe,
não é? – disse Lutz para Kuhn.
-Não sabe o
que? – perguntou Kuhn aceitando o café.
-Todos esses
anos e você nunca percebeu nada – disse Lutz balançando a cabeça negativamente
- acho que somos estúpidos, antes eu não
percebi também, todas aquelas memórias sobre minha esposa e filha que morreram
no acidente, humanos sabem ser cruéis amigo Alexander, eu chorava toda noite,
não dormia pois as memórias vinham e me perseguiam como fantasmas, acredito que
como você aconteceu o mesmo, sentia tudo, queria sentir, então não percebeu
nada.
-Percebeu o
que?
-Somos ciborgs,
robôs bem desenvolvidos, criações mágicas da ciência MELF para baratear os
serviços de cuidados de pacientes da MELF, tudo legal permitido pelo governa,
por debaixo dos panos é claro. – Lutz apertou o estomago – algum tempo essas companhias dominam os
governos, as vezes são até confundidas com o próprio governo, assim a lei e a
ordem é uma questão de referencia econômica – Lutz parou em frente a Kuhn que
não acreditavam nas palavras de Lutz – me diga Alexander?Não andou sentindo uma
dor no estomago, tendo uns sonhos e cuspindo sangue – Kuhn balançou a cabeça
afirmativamente, porém não acreditava em Lutz, ele era humano, podia sentir
isso, Lutz continuou – é o nosso processo de desligamento, quando chegamos a certa
idade nosso sistema orgânico enfraquece, nunca fomos humanos, nunca tivemos
famílias, nem nada dessa baboseiras que implantaram em nosso sistema
operacional é assim que os humanos cuidam dos seus velhos, com robôs, eles
moram a centenas de quilômetros daqui.
-Não é possível,
está nos nossos documentos, somos humanos – disse Kuhn.
-Documentos? Quantas
vezes come por dia, quantas ficou com uma mulher? Só memórias velhas, opiniões
de outras pessoas, várias citações em minha cabeça, não sinto dor, não sinto
sono, somos iguais aos desgraçados dos humanoides que estão lá fora e que são
pior que bicho – disse Lutz pegando uma garrafa de uísque na sua gaveta – Um uísque
doze anos, tenho uma memória disso, mas nunca sentirei o gosto, você quer?
Kuhn provou,
sentiu o gosto do uísque.
-Uísque doze
anos, dá melhor espécie – disse Kuhn.
-É urina, eu
mesmo urinei essa manhã dentro da garrafa – Kuhn cuspiu imediatamente – Você
não sabe a diferença, não sente é apenas uma memória criptografada, veja,
realmente é uísque, nunca colocaria a minha urina em um litro de uísque.
-Então tudo é
falso – disse Kuhn.
-Falso, sim é tudo falso – disse Lutz – você sabe como vão
resolver depois o problema da contaminação?
Kuhn tinha os
olhos nos monitores sua cabeça vagava pelas memórias falsas com as quais sempre
se apegou, Lutz tomou um gole de café e falou.
-Vão explodir
o complexo todo, vi a permissão dos parentes assinada e do governo, não somos
nada, apenas máquinas descartáveis, viraremos pó em alguns minutos.
-Por que eles
fariam isso, porque nos criaram tão semelhantes?
-Para enganar
as sentimentais famílias dos pacientes, elas jamais ficariam sabendo que somos robôs,
mesmo porque não aceitaria, um parente que se preze tem amor ao seu idoso
internado, mesmo que seja falso, como disse tem que parecer verdadeiro, é assim
que os humanos vivem, parecer é mais que suficiente é necessário, a MELF sabe
do preço que seria manter humanos trabalhando em turnos contínuos com alto
risco de contaminação, um ser humano não conseguiria desempenhar essa tarefa,
sabe aquela frase: “a mulher de Cesar não precisa ser só honesta, tem que
parecer honesta”, então eles queriam robôs com infinita capacidade de trabalho
e aparência humana, somos nós – disse Lutz fazendo um brinde no ar.
-Por que me
trousse de volta já que sabia disso tudo? – perguntou Kuhn.
-Fui
programado para isso – disse Lutz bebendo o uísque – estou falando com você
agora porque em fim estou livre da minha programação, em minutos toda a ilha
vai virar pó, assim um brinda ao encontro do nada – Lutz levantou o copo cheio
de uísque mais uma vez.
Kuhn não quis
acreditar, mas foi a ultima coisa que pensou.
FIM

Nenhum comentário:
Postar um comentário