O enterrador
Toda minha família cabia em um
fusca, Jeferson Neves, sou eu, o menor da turma, estudante de biologia, baixo,
careca e com barba para parecer respeitável, fiz duas tatuagens, no ombro
esquerdo uma de vampiro, gosto de Drácula de Bram Stoker, outra de Cristo no
direito , simbolizando a luta contra o mal dentro de mim, símbolos e signos,
não é,procuramos uma identidade, uma marca, por isso me tatuei, sei lá?Ou nem é
isso, mas fica bacana, gosto de tatuagem que simbolizam essa diferença que todo
mundo tem dentro de si, uma mistura de vampiro como o Deus bom dos cristão.
Em
um livro que li o autor disse que a razão é uma casca, a nossa vantagem
evolutiva não é tão grande, somos influenciados por impulsos que quebra essa
casca fina que é a razão humana, gosto disso, gostei do autor e de suas
palavras pois tem haver com o que penso, o ser governado pelo acaso, em algum
lugar a mentira tem que parar, temos que olhar para o nosso interior e saber
quem somos, talvez a verdade apareça dentro de mim, ai nem vou dar bola para
ela, pois essa verdade nunca me interessou, nem foi um mistério para mim,
sempre soube dela, sempre soube quem eu sou e ande posso chegar, não existe
nenhuma verdade saborosa o sabor está na mentira e vive-la como uma verdade
inquestionável, olhe para os religiosos, eles sabem bem disso.
No
fusca, apertado o meu lado, Túlio, meu irmão bonito, jeito de menino, cabelos
cortados queixo de ator , olhos verdes da minha mãe e um estúpido completo.
Muita gente que algumas pessoas que nascem na
mesma família deve ser mais considerado que alguém que nasce de uma genética
tão diversa, acho que é esse conceito tribal dos ressentimentos, protegendo a
nossa tribo, esse meu irmão bonitinho fazia jus ao nome Túlio Mauricio, como
diria Lacan, o nome carrega seus mistérios. Querem um filho bonito? Se você
escolherem um nome para o seu filho e colocar Túlio com certeza o moleque vai
ser bonito.
Irmão mauricinho, um estudante de medicina,
estava sempre com um livro do lado, grosso feito um pedaço de tronco, pesado pra
cacete, intelectual que não sabia nada além de anatomia, bioquímica, etc.
Orgulho do meu pai, da minha mãe e mais uma pancada de parente, andava de barba
bem feita, enquanto eu cultivava a minha barba,usava sempre combinando calça e
camisa, um individuo elegante, sapato da moda, só tem um problema, todo mundo
tem o seu pecado, pode procurar que vai achar o seu pecadinho ai, esse meu
irmão, desde cedo que acho foi meio
afeminado, certo , certo sei que hoje em dia isso é normal, mas pro meu pai,
mil vezes tatuar o corpo todo...
Na outra janelinha minha irmã
Geórgia, calada, puta por estar na viagem, essa geração face book, que não para
pensar em nada, curte a vida e posta no face book, outra rede social idiota
qualquer, namora com quem quer e tem um problema com autoridade, além do mais,
estava puta também por ter deixado o seu
namorado quarentão dois ou três dias, a menina não obedecia ninguém, só se
fosse na porrada, meu pai não batia em ninguém, com dezesseis anos a
caçula marrenta.
Meus
pais quiseram tentar uma menina e deu naquilo, vivia na rua, foi muito mimada
desde pequena, criancinha fofinha, tudo de errado ou era eu, na maioria das
vezes, ou meu irmão, em mim lascavam a pancada para o meu irmão davam
conselhos. Geórgia não fazia nada, estava sempre inocente, com dez anos fez a
primeira das suas, levou em casa para um namoradinho de quinze anos para conhecer a família, porra foi um auê,
papai tirou o cinto e queria bater nela e na desgraça do namorado.
-Sai que vou dá um corretivo – disse
tirando o cinto, minha mãe não deixou.
Minha mãe? Essa você esquece! Gente fina e
tudo mais, não fala nada com ninguém, engole sapo, Amélia de antigamente, só
implicou quando eu tatuei o Drácula de Bram Stoker no braço, expliquei que era
um clássico da literatura e o tatuador era um tremando artista, que aquilo
tinha uma significação para mim, ser tatuado me fazia pertencer a um grupo, ser
de algum lugar, no entanto ela não entendeu, olhava para o vampiro desenhado no
meu braço.
-Isso é o demônio! – disse chorosa –
que desgosto! Meu filho tatuou o demônio no braço.
-Deixa de ser sem cultura, esse é o
Dracula de Bram
Stoker– disse, mas não adiantou, era assim, religiosa, cozinha, novela e cama,
parecia que estava ali, mas não estava. Eu sabia que ela tomava remédio para
dormir, e outro para depressão, uma vez roubei um e tomei, empacotei, parecia
que estava morto, nessa época tinha nove anos, me levaram no médico e tudo.
Uma vez a doida da Geórgia com
quatorze anos me acordou no meio da noite, disse baixo no meu ouvido todo
sonolento.
-Jeff, vem comigo, vou mostrar um
campeão de bilheteria – disse sorrido.
-Não vou ver televisão agora Geórgia
– disse cobrindo a cabeça, a merda é que agente dividia o quarto par o Túlio
ter tempo e espaço para estudar.
-Gravei mamãe e papai trazando –
quando ela disse isso para mim acho que Freud remechei no tumulo, a sensação
que tive foi de um engasgo.
-Puta que pariu – disse sem querer –
nós vamos ver agora, ou não vamos conseguir dormir pensando nessa merda – ela
sorria como uma safada, o vídeo mostrava o meu pai por cima e minha mãe olhando
para o lado, durou uns dois minutos, depois meu pai rolou para o seu lado,
patético.
-Isso não é uma tranza é uma cópula
– disse Geórgia dando uma gargalhada – por isso a nossa mãe tem aquela cara de
tristeza, podemos chamar isso de ejaculação ultraprecoce.
-Eu até que achei boazinha – disse
mentindo - , eles tem uma reputação de pai e mãe para manter, além disso são
adventistas a maioria nem sexo faz – eu peguei o meu lençol no chão – eles são
casado a vinte anos, acho que é máximo que eles conseguem, por isso eu não vou
casar tão cedo, se tiver que fazer sexo assim é preferível ficar solteiro.
-Ariovaldo manda bem...
-Me poupe dos detalhes sórdidos
entre você e papa anjo, uma hora o pai vai saber e ai vai cortar aquela jiboia
dele fora, e joga para os dois cães do visinho – disse e voltei a dormir.
Meu pai? Esse sem adjetivo, contava
marra de ter sido cabo do exercito e se dedicado à pátria, merda nenhuma,
serviu no tiro de guerra na sua cidade natal, ninguém nunca gostou do meu pai,
isso é uma constatação com a qual tenho que viver, ele perambulou mendigando
amizade e calor humano, mas nada conseguiu, no trabalho não foi diferente,
em todo emprego que ele arrumava o
coitado, de propósito ou por perseguição, arranjava uma confusão, tudo por
conta de política, poderia dizer que o meu pai era o ultimo socialista
militante, ainda acreditava em guerras, greves e o cacete, acreditava nas pessoas, sempre acreditava na palavra dos
outros, pagava a suas contas em dia e recebia todas atrasadas, falava da época
da ditadura como se fosse o período mais perfeito, nunca entendeu que com a
revolução de comportamento de 68 nada sobrou além da vontade humana, quase toda
a tecnologia e o conhecimento que existe é para facilitar e produzir laser e
alegria para o ser humano, não importa o regime político.
Socialismo é uma piada de péssimo
gosto, que ninguém rir, por dentro estamos preocupados com o nosso eu, nossa
família, nosso emprego, como podemos ter igualdade?
O mundo é desigual e desigual que
fica bonito, para o meu pai, na vida pobres e ricos tinham que ter os mesmos
direitos, que graça a vida teria se fosse assim?Seriamos uma comunidade de
fusiforme, comendo e cagando, não haveria discórdia, guerra ou fome, o que eu
tenho todo mundo pode ter, só o meu pai acredita em uma merda dessas.
Em discussões defendendo a ditadura
dizia.
-Pelo menos tinha ordem, moral, nem
político corrupto – dizia, eu pensava que naquela época só os militares eram
corruptos, varrendo os militares da face da terra ficaríamos em um paraíso
democrático, ai veio o efeito colateral, como o livro que li, merdecas e
mijocas de Jose J. Veiga, Aquele Mundo de Vasabarros, sai um ruim entra outro
pior, isso serve como advertência para as pessoas em geral esse pensamento do
meu pai é de muitas pessoas e a democracia, grande aquisição evolucionista do
ponto de vista político esta sobre suspeita, mas não existe nenhuma luz após a
democracia, temos que ser governados pela estupidez da maioria, então a
imprensa serve a maioria, os governos servem a maioria, só a justiça ainda está
com a minoria.
Lembra aquele dia que meu pai
pegaria Georgia na cama como o namorado, pois é , ele chegou, foi divertido,
meu pai sempre foi um bundão, todo mundo mandava nele principalmente a Geórgia,
a filha queridinha que ele passou a mão na cabeça e agora chutava a sua bunda,
que nessa época, da viagem, tinha um namorado de quarenta e dois anos, Ariovaldo,
o dia que meu pai pegou os dois juntos gritou enlouquecido para minha mãe.
-O que aquele vagabundo, barbado
está fazendo na cama com minha filha, ainda por cima na nossa cama?A culpa é
sua, como permite isso? – disse gritando.
-Espera aí !Vagabundo não!– disse
Ariovaldo– artista plástico com diploma e tudo, momentaneamente lido com a vida
pintando paredes – arrumou o lençol – desculpa sogrão, não se importa que eu te
chame de sogro, já que seremos parentes, e que estou arrumado o lençol para tapar
o “negocio”, eu e a Ge íamos começar um lance, quando você interrompeu , sabe
como é? Sou um homem saudável, tocou em mim e o prezado já arma a tenda....
-Você está pelado debaixo desses
lençóis? – gritou meu pai
-Lógico, sogro do meu coração, eu ia
fazer o que debaixo do lençol de roupa, Ge também, não é meu amor – meu pai não
aguentou e caiu de cinto nos dois, foi hilário ver aquele magrelo descer as
escadas do prédio pelado, o problema é que Geórgia piorou e disse que o pai
passou dos limites.
Foi à gota d’água, mas dava para
perceber que o meu pai estava esgotado, por isso obrigou a família toda a ir
nessa viagem no interior de minas, passei tipo “programa de índio” uma fazenda
de tal coronel Feitosa que morava no Vale do rio perdido, põe perdido nisso,
acho que o cara tinha sido coronel na época que o pai era cabo, os dois fizeram
uma amizade e eles trocavam
correspondência os dois tinham os mesmos interesses, volta do governo militar e
tinham até um sonho de montar um partido militar, essas bobagens, cartas
extensa, isso em plena época da internet, ai o militar morreu, a viúva chamou meu pai para o
enterro.
O fusca corria a sessenta por hora e
a Geórgia pediu para fazer xixi, meu pai negou disse que tínhamos que chegar
antes do anoitecer, além disso, o tempo estava fechando, mas a metade da
população do carro estava com a mesma necessidade, havia uma casa perto da
estrada, se é que poderia chamar aquilo de estrada, um espaço de areia com
muito mato na beirada, um mato denso, por isso resolvemos parar ali, havia uma
casa e atrás dela um campo gramado, a paisagem mudou e todos precisavam fazer
um xixi.
Dobrado
pela maioria meu pai parou o fusca ali, resolveu parar e pedir para ir ao
banheiro, já era dezoito horas, o por do sol era sombrio e ainda havia uma
certa quantidade de luz.
Bateu palma e disse.
-Alo de casa. – Eu podia ouvir o
vento mexendo as folhas a beira da estrada, não havia nenhum conforto em
permanecer ali esperando que alguma coisa ruim acontecesse, essa era sensação
nas minhas costas. Olhei em volta, Geórgia e Minha mãe tinham ficado de pé
próximo a porta do carro, meu pai estava batendo palmas, eu e túlio lado a lado
esperávamos a resposta da porta.
Uma menina com uma criança de apenas
alguns meses saiu, uma visão intrigante, quase fantasmagórica, porém de uma
beleza sem igual, tinha a cara assustada, parecia muito jovem, como vestia um
trapo que não combinava com seu rosto perfeito, a roupa esfarrapada parecia
teatral, um vestido fora de moda, uma magnetismo de princesa que atraia os
homens, como uma mãe experimentada, ela trazia a criança no colo, já estava
quase anoitecendo, aquele lugar parecia muito mais estranho à noite, Túlio,
como um intelectual falsificado em escolas porcas de medicina, com seu queixo
firme e olhos verdes, para impressionar trazia o livro de anatomia na mão, veio
dizer oi com seu sorriso odioso que parecia tatuado no rosto, só para falar que
eu tinha um irmão mais bonito e que estudava medicina.
-A casa do coronel Feitosa está
muito longe – disse Túlio antes que meu pai pudesse falar.
A menina olhou para ele por um
segundo, mas era o mesmo olhar assustado, havia um tom sóbrio naquele olhar e
uma sabedoria inexplicável.
-O que fazem por essa estrada a
noite?– falou com a voz serena, sem o desequilíbrio verbal, nem sotaque, ao
contrario seu lábios se moviam belos e sensuais, seu olhar meigo, parecia uma
atriz no palco tive vontade de beijar aqueles lábios – não conhece o nome todo
do vale não é, não sabe o que pode acontecer, vão embora esse lugar é amaldiçoado?
Sorri, havia visto na internet, meu
pai nunca me obrigaria estar ali se não soubesse da historia do vale,deveras
famosa pelo numero de pessoas desaparecidas e muitas lendas cultivadas, entre
elas a de um vampiro e de um lobisomem, tudo do folclore do local, muitos
lugares são assim, carregam a sua maldição, as vezes ir até a um lugar desses
alivia a nossa própria maldição, não há muitas coisas interessantes a se fazer
em família, por isso a minha motivação para a viagem, mas era um nome ridículo,
não esperava nada mais que uma decepção, nem encontrar vampiros, queria apenas
ver como era o local que assustava tantas pessoas, não acredito no
sobrenatural, acho que a maldade no homem é maior, há coisas que o homem faz
que até o sobrenatural duvida.
-Como é seu nome? – disse e me
aproximei, ela se afastou porem respondeu.
-Valquíria, não deve entrar lá com
essa tatuagem – dava para ver as minhas tatuagens, estava de camiseta branca.
-Bobagem, esse é o Drácula....
-A outra. – Virei o braço e olhei
para o cristo
Túlio Mauricio se aproximou, deu uma
gargalhada e disse.
-Você conseguiu assustar o meu irmão
pirado, ele sempre se assustas com meninas bonitas – disse e tocou no meu ombro
, uma forma abrupta de me chamar, ele fazia assim, comigo
conversava apenas por gestos, não somos amigos, fiz um aceno com a cabeça para
Valquíria e ela me respondeu com um olhar, depois disso escutei a porta do
fusca abrir, não queria ir embora, alguma coisa me prendia ali, naquele momento
não sabia o que era, ouvi meu pai chamar, entramos no carro ele deu a partida a
primeira vez, outra vez e o carro não pegou, já passavam das dezoito horas e
trinta. Descemos do carro.
-Essa bosta está sem combustível –
disse Geórgia – pai você não encheu o tanque – disse Geórgia em tom de deboche
e tinha alguma coisa na sua voz, um melindrar de menina má, esculpido nos
lábios vermelhos, certamente tinha feito alguma de suas travessuras, minha bela
irmã tinha aprontado alguma coisa.
-O marcador não está funcionando –
disse o meu pai – acho que a estrada de chão deve ter consumido mais do que eu
calculei, tem um galão no porta-malas – vi que Geórgia encolheu o ombro e
sorriu, meu pai gritou – cadê a merda
galão e que porra é essa no lugar, bosta de bolsa com laptop, não disse para
deixar tudo em Vitória – Olhou para minha mãe, quando estava nervoso descontava
tudo na minha mãe – é sua filha, essas coisas que ela faz, você é a
responsável, mulher tem que aprender com a mãe – minha mãe não falava nada.
-Tinha que falar com meus amigos,
você não deixou trazer comigo, escondi ai, o galão tomava muito espaço. – disse
Geórgia, debochando, mas não olhava para mamãe e tinha certo arrependimento no
olhar dela, afinal ficamos presos ali, de frente para aquela casa esquisita, em
uma estrada de terra e ainda por cima estava anoitecendo.
-Cala a sua boca – disse a minha mãe
– Túlio vai ali conversa com a menina, parece que ela gostou de você – minha
mãe achava que todas as mulheres gostavam do Túlio, pois ele também achava, ela
completou dizendo - e pergunta se ela pode arrumar um pouco de combustível que eu pago, alguém sempre tem um pouco de
combustível guardado em algum lugar.
Ouviu-se um uivo, no primeiro
momento pensei que era um cão, mas depois sentiu a diferença, todos em pé, com
a noite quase dentro da gente, arrancando nosso medo de dentro, apenas uma luz
tênue nos separava da escuridão total : pó por do sol, algo que quando
acontecia despertava paixões e que agora servia de tabua de segurança, pois o
segundo uivo assustou até minha mãe.
-Que merda é essa? Um cachorro ou o
que? – perguntou túlio.
-Vai logo – disse a minha mãe e fez
o gesto com uma das mãos, com a outra apontou a casa para Túlio, fiquei em
pé no meio do caminho, meu pai debruçado
sobre o porta-malas do fusca e minha Irmã e minha mãe juntas, bem ao lado da
porta do carona, um silencio de segundos, como se esperássemos por um terceiro
uivo, ou para que o cão parecesse abanando o rabo, mas não aconteceu e Túlio
quebrou o silencio.
-Deixa comigo, jovem pequena
Valquíria vai me ouvir, todas me
escutam– foi até a casa e gritou por Valquíria , mas não teve resposta, eu
gritei pela segunda e sorri para Túlio
mostrando a minha tatuagem, disse baixinho:”mulheres gostam de tatuagem”, Túlio
franziu a testa, a forma estúpida de desaprovar o que eu havia feito e revidou
com o comentário, porém em um tom mais baixo ainda :”só as feias ou sujas”.
Um minuto depois ela abriu uma
fresta na janela, não tenho certeza, mas acho que ela sorria para mim.
-Que é homem tatuado? – disse, mas
quase não escutamos a sua voz, havia um vento insistente que empurra as
palavras.
-Estamos sem combustível.... – disse
sorrindo, pisquei para Túlio.
-Tem um posto a dois quilômetros
daqui, subindo a estrada – fechou a porta, matou Don Ruan de raiva, eu estava
com meu o perfumado, Geórgia ria, eu e minha irmã tínhamos uma ligação, isso
serviu para quebrar o clima,Geórgia foi a única da família que eu tinha alguma
ligação, peguei um balde e disse.
-Eu vou.
-Eu vou com você – disse Geórgia –
afinal a culpa dessa merda toda é minha.
-Nós vamos armar a barraca aqui no
caso de passarmos a noite, pois a vizinhança é hostil, não vai nos abrigar com
certeza, que tipo de hospitalidade aquela menina de péssimo gosto aprendeu com seus pais?– disse
Túlio tirando a barraca para cinco pessoas do teto do fusca, estava chateado,
mas tinha razão, se não conseguíssemos gasolina teríamos que passar a noite do
lado de fora da casa de Valquíria, apesar de demonstrar simpatia comigo se
mostrou arredia.
-Não vou passar a noite aqui – disse
a minha mãe – essa é atmosfera de inferno, esse, esse, sei lá?Cachorro, uivando
como um cão do demônio, nem pensar, eu
não consigo nem me concentrar para uma
oração, todo o meu ser treme, alguma coisa de muito ruim vai acontecer aqui –
disse colocando a mão no coração –vocês
vão e voltem rápido de preferência com o balde cheio de gasolina, daqui
voltamos para nossa casa, que não vou para casa de coronel merda nenhuma–
quando a minha mãe assumia o comando já era, meu pai ficava calado, de mandão
era o velho pacato estava sentado em uma pedra e ascendeu um cigarro.
Subimos a estrada, como disse uma
estradinha curta com mato de lado a lado, quase não cabia o fusca e muitos
galhos acertavam o vidro do carro, o tempo passava, cada vez ficava mais escuro, a gente tinha uma pequena
lanterna, que iluminava o caminho, Geórgia, falou do lace com Ariovaldo, de sua
dificuldade em escolher o que ia fazer da vida, da sua cabeça na Rita, de quem
também gostava, sabe mulher é um tanto homossexual, a Rita tinha feito aquilo
no verão e pulado sobre ela quando dormiam, mas ela deixou levar e até que foi
bem, mas havia a necessidade de finalizar tudo, disse para ela que não queria
ouvir a merda da historia dela com a Rita, nem pensar, ela havia me contado
umas cinco vezes, algumas delas com detalhes.
Tentou conversar, sobre a falta de talento com
a pintura, minha irmã achava que desenhava, mas os seus desenhos eram um lixo,
evitei esse assunto também, a final eu estava sem cabeça e logo ela desistiu e
começou a assoviar, sinceramente, as vezes a irmã caçula pode enlouquecer o
irmã, pedi que parasse, uma outra vez perguntou se eu não queria ter nascido em
outra família, mais rica, mais charmosa, disse a ela que nunca pensava em
coisas impossíveis e que certamente ter
outra irmã eu disse,ai seria infeliz, quem ia me sacanear com toda aquela
historia falsa sobre a Rita, ela sorriu, assim tínhamos uma ligação, nosso
dialogo inútil era reconhecido e executado, proto, não precisava de
autenticação,.
Chegamos
ao posto de gasolina, interessante como o nome muda tudo, se você dá o nome a
uma coisa ela passa a ser aquela coisa, um campo de futebol, antes era um
pasto, uma cabana fodida no meio do nada, sem bomba somente tabuas velhas
juntas passa a ser um maldito posto de gasolina, com a lâmpada fraca da
lanterna iluminando aquilo tudo dava medo.
-Isso está abandonado – disse
olhando em volta, vendas de combustível no interior têm alguma informalidade,
mas aquele posto de gasolina era apenas uma casa de madeira e uma placa temos
combustível, bati exaustivamente na porta. Ninguém respondeu a impressão que eu
tive e que a porta cairia na próxima batida, mas ela aguentou firme soltando
apenas uma poeira grossa que eu via através da iluminação pobre da lanterna.
-Você vai quebrar essa porta – disse
Geórgia.
-Nenhuma alma viva, nem morta. –
disse batendo mais uma vez
-Merda, meu pai vai me matar... –
Geórgia falava quando ouviu uma voz dizer.
-Morta pode ter. – Geórgia soltou um
grito, eu quase urinei nas calças de onde vinha aquela voz rouca e amaldiçoada,
virei o pescoço tão rápido quanto o medo permitiu.
A nossa frente um velho corcunda e
com uma perna maior que a outra apareceu do nada, ao ouvir sua voz, não
esperávamos aquela figura, quando viramos em direção à estrada de onde partiu
aquelas palavras guturais e cheias de eco havia uma figura surpreendente: cabelos compridos, olho direito estava
furado, havia no lugar um buraco, com uma costura no canto,
unindo as pálpebras do olho direito, apenas o olho esquerdo mexia, ninguém pode
precisar a idade dele, baste velho tão velho quanto Matusalém bíblico, sem
dentes, boca chupada sem lábios, com barba rala e branca amarelada, pedaços de
alguma comida desfavorecida seguiam nas pontas próxima a abertura bucal, usava
camisa e calça surrada da roça, a calça social velha, era de cor preta, a
camisa listrada horizontal e um lenço pendurado no pescoço lembrava um cowboy,
parado parecia um habitante comum desses lugares distantes da zona rural, porem
para andar fazia um movimento desconcertante, encostava a mão no chão para
andar levando todo o equilíbrio para a mão, quase beijando o solo, rodava até
que o joelho se apoiasse também no chão para que desse o passo com a perna mais
longa, fazia concomitante um barulho com a boca, que parecia um uivo, mas acho
que era coisa da minha cabeça, rodava e olhava com os olhos no canto da cabeça
de tanto que era corcunda, andou dois
passos até a gente, Geórgia não segurou o
choro, mas ele parecia não se importar.
-Vocês querem combustível? – disse
abrindo porta da casa de madeira.
-Sim – disse entregando dinheiro –
cem reais, aconteceu um imprevisto e ficamos sem combustível, ali perto da casa
da Valquíria que o senhor deve conhecer, não é?.
-É muito combustível, não vai caber
nesse balde – disse ele olhando para mim com o único olho, depois cuspiu uma
mistura de fumo e saliva – cobro trinta pelo galão se me devolver ele, devolvo
vinte para você, fico com dez pelo aluguel, setenta por dez litros de
combustível que é tudo que tenho para vender, a maioria dos meus fregueses são
motoqueiros compram pouco e só vou poder repor amanhã a tarde.
-Tudo bem – disse completei com
cautela – está um pouco caro, mas é a lei da oferta e da procura, não é assim
com o capitalismo – disse e esbocei um sorriso, ele nem ligou, nem me olhou,
andou mais um pouco para pegar o combustível, apesar da sua dificuldade em
andar agia de forma perfeita e sincronizada como se não estivéssemos ali.
Quando acabou, ele me entregou o
galão, contou o dinheiro e deu as costas, antes falou.
-Não é bom andar por essas bandas à
noite, em todo lugar vivi vivos e mortos, esse lugar quem manda é os mortos –
disse fechando a porta.
-Deve ser ele o culpado desse lugar
ser conhecido como o vale do terror, todo mundo acredita nisso, com aquela cara
e o jeito de andar, você acha que já está morto? – disse Geórgia – porque ele
disse aquilo, queria assustar a gente?Acho que conseguiu me impressionar.
-Ele conseguiu?Nem precisava fazer
muita força – disse e peguei o galão, afinal os homens carregam o peso.
Descemos a estrada quase correndo,
tenho que admitir que eu senti medo do corcunda, ver filme de terror é uma
coisa, gostava muito nessa época, outra coisa é enfrentar aquilo, uma atmosfera assustadora e bem
diferente das que eu estava acostumado, com um frio nas costas.
A
noite estava fechada, a luz da lanterna não iluminava quase nada, senti um frio
na espinha pois quando chegamos não tinha nenhum deles, mãe, pai e Túlio perto
do carro próximo a casa de Valquíria, o carro estava abandonado e a barraca no
chão espalhada, o vento movendo parte dela para cima do fusca, uma das barras
de ferro estava fincada no chão o que mostra que Tulio havia começada a montar
a barraca, a ponta de lona que batia no fusca fazia um barulho insistente.
Assustado,
achando que era uma brincadeira, gritamos pelos nomes, nada, bati na porta da
casa de Valquíria.
-O que é – ela abriu a janela.
-Meus pais e meu irmão eles sumiram,
você por acaso viu onde... – tentei completar a frase houve uma interrupção,
foi mais que um barulho mistura de ruídos medonhos e Geórgia gritou tão alto
que não sabia para onde olhava, depois um baque surdo, Túlio caiu bem perto de
Geórgia a cem metros de mim, era a roupa que vestia, mas nem de longe aquele
era meu irmão, com o rosto pálido, sangue escorria do seu pescoço e da sua boa,
caminhei até ele, estava debruçado, com pescoço rodado para trás e a cabeça
pendurada, meu irmão tinha o aspecto horrível de um frango degolado.
Foi
um dos únicos momentos que quase chorei, ali bem sobre o teto do fusca com a
cabeça rolada para trás estava meu irmão, minhas pernas fraquejaram e eu quase
cai de joelhos.
A
reação de Geórgia foi pior: desmaiou sua queda foi brusca, caiu e bateu a cabeça no para-choque do fusca
abrindo o supercílio e esparramando sangue em sua blusa branca de seda branca,
ficou caída, provavelmente perdeu o sentido,fiquei em duvida se corria para
socorrer a minha irmã desacordada, ou se apreciava o que via acima de minha
cabeça, no céu uma figura alada flutuava no ar, não sei precisar o tamanho, em
pé no solo poderia ter dois metros, magro, terno preto, alinhado com um lenço
branco no bolso, olhava para mim e seus
olhos vermelhos me diziam algo que naquele momento não consegui
entender, dentes incisivos proeminentes.
Nunca
havia visto um vampiro antes, aquele, acima da minha cabeça, com uma capa preta
que voava impulsionada pela força do vento, que naquela altura já anunciava uma
chuva.
Não
consegui falar, porém notei que Valquíria observava tudo pela janela, corri até
ela.
Nos
instantes iniciais fiquei parado a frente de Valquíria, mas depois, como eu sou
um ágil nadador e desportista, forcei com mão a janela de onde Valquíria
observava tudo como uma telespectadora impassível, sem demonstrar nem mesmo
surpresa diante de minhas horas de terror e desespero, aquela mulher de beleza
impar, de alguma forma estava se divertindo.
Não
tive dificuldade de entrar na casa, mas acho que Valquíria, que desde inicio
havia simpatizado por mim, ajudou-me facilitando a minha entrada, disso tive certeza
depois.
Para dentro da casa fui surpreendido pelo luxo
do interior em contraste com a pobreza do exterior, moveis do começo do século
extremamente bem cuidados, não entendo dessas coisas, mas acho que aquelas
peças de mobilha valeriam muito em um antiquário, fiquei atordoado a primeira
coisa foi procurar um telefone e chamar a policia, gritei para o lado de fora e
tentei chamar Geórgia, havia uma sincera preocupação com minha irmã, no
entanto, admitindo com toda a franqueza minha pele era o que mais me preocupado
naquele instante, escrevendo esse relato agora que ficara para a posteridade
somente para minha própria leitura,tenho que admitir que não me importava como
minha família, apenas queria sair dali vivo, olhei pela janela novamente,
Valquíria me olhava calada, apontou com o dedo indicador da mão direita, onde
percebi havia unhas bem feitas pitadas de negro e pontiagudas como uma arma
letal, não segui a sua mão com meu olhar, pois tinha medo de saber o que
acontecia fora da janela, como ela insistiu com o indicador denunciando alguma
coisa atrás de mim, virei a cabeça lentamente.
O
estomago embrulhou, senti um gosto amargo e cambaleei como ébrio sem rumo,
depois soltei um vomito fétido na sala de Valquíria, depois outro, engasgado
com gosto ácido na boca, uma espuma corroída saia do esquerdo da minha boca o
que prontamente me fez levantas o braço e limpar com o dorso da mão aquela baba
tosca, tonto, envergonhado, finalmente levantei a cabeça e vi o que Valquíria
me mostrava...
A
criatura descomunal estava do lado de Geórgia, debruçada sobre o seu pequeno
corpo, parecia um gigante sobre a sua presa, um gosto de sangue e um grande
medo passaram pela minha alma o meu ser havia perdido o controle, partes
remotas do cérebro que controlam o medo e o instinto de sobrevivência devem ter
sido acionadas, tudo que queria era sair dali, não ligava mais para nada, o
único instinto que dominava o meu corpo era o de sobrevivência, olhei para
Valquíria sem poder me expressar, queria ajuda, mas não conseguia falar nada,
enquanto via naquela mulher com cara de princesa um sorriso maligno de quem
sabia mais sobre o meu destino do que eu mesmo jamais saberia.
Olhei
novamente pela pequena aberturada janela, minha respiração era rápida e dava
para ser ouvida de longe. O vampiro estava debruçado e sugava o sangue de
Geórgia, retirava a sua vida de forma brutal, impotente, com medo, nada poderia
fazer, quis sair pela janela em um rompante de coragem ajudar a minha irmã ou
me entregar a morte de uma vez, nada poderia vir além da morte, mas uma mão
fina e delicada me segurou.
Valquíria e sentia a gratidão por ela me
salvar e, na hora oportuna, ter contido os meus rompantes de herói, o mundo
estava acabando para mim, nada poderia durar além de alguns minutos por isso eu estava desesperado por perder todos os meus
parentes de uma só vez, chamei Geórgia pela ultima vez, desta o vampiro olhou
em minha direção com dentes sujos de sangue, os grandes incisivos marcavam o
rosto perfeito, seus olhos vermelhos, estava preso, novamente a mão de
Valquíria tocou o meu braço e despertei para a realidade.
Comecei a chorara como uma criança,
uma coisa era certa, ele não entrava naquela casa por um motivo que logo
saberia qual o vampiro não atacou nem a mim nem a Valquíria e durante alguns
instantes tudo silenciou, só conseguia ouvir o barulho do vento lá fora e a
minha respiração.
-Quem é essa coisa? – disse
enxugando as lagrimas.
-Turton, o ultimo dos grandes
vampiros dessas redondezas, há poucos como ele, tão belo e elegante, um
verdadeiro nobre e o ultimo que resta no nosso país deve se orgulhar de conhecer – disse a menina, neste momento o
bebe chorou – tenho que pegá-lo, pode deixar ele não entra aqui, fique
tranquilo Turton não fará mal a você– segurei o braço dela em um gesto nítido
para impedir a partida de Valquíria até o quarto do bebe, mas ela, dona de uma
força incomum retirou a minha mão com facilidade pois a criança voltou a
chorar.
-Eu vou com você – disse
amedrontado.
-Está com medo Jeferson! – quem não
teria de uma merda dessa?E como ela sabia o meu nome? Valquíria parecia
tranquila demais mesmo com uma besta daquelas do lado de fora – Sei o que esta
pensando Jeferson – disse pegando o bebê – não sou mãe da criança, eu e Turton
temos uma ligação, eu cuido da criança para ele, ela é imaculada, nunca foi
tocada por ninguém além de escravos de Turton.
-Você quer dizer que essa criança
será entregue ao vampiro? – disse desesperado ao ver o rosto suave da criança
sugando o seio de Valquíria.
Ela deu um dos seus sorrisos
maliciosos e disse.
-Assim
como eu fui um dia retirada dos meus pais, quem cuidou de mim já alimentou
Turton, agora eu cuido dela e breve alimentarei o vampiro, quando ela tiver
quinze anos serei entregue a Turton, não há saída, ele é um vampiro predador,
poderoso e sábio, tenho direito a vida, mas essa vida não vai além dos quinze
anos.
-Você se entrega como um cordeiro
para o sacrifício?
-Sim, esse é o meu destino – disse
passando a mão na cabeça da criança.
-Por que tem que ser assim – disse
desesperado, se aquela criatura era capaz de fazer alguma coisa a uma criança,
logo eu seria eliminado da face da terra da forma mais trágica possível.
Valquíria me olhou nos olhos e
falou.
-Para
sobreviver Turton tem que retirar todas as energias de uma virgem imaculada, ele me explicou uma coisa sobre
uma proteína que tem no sangue dessas crianças, não entendi, cuido delas sigo o
destino a cada quinze anos, não basta o
sangue de mortais sem essa proteína, não alimenta o vampiro, se fizesse assim
já teria desaparecido como os outros vampiros desse vale e de outros lugares,
hoje no mundo a única população que diminui é a de vampiros, sem o alimento
correto ficam fracos, não tem volta– a
conversa insólida estava me incomodando e ao mesmo tempo e acalmando, ouvi tudo
aquilo pasmo como se estivesse em outro mundo.
-O que vai acontecer com minha
família, serão vampiros? – fiz essa pergunta idiota sem perceber enquanto
voltávamos para a sala.
-Vejo que gosta de literatura, é
muito influenciado por ela, mas a realidade é completamente diferente, a lenda
poética de transformação não é completamente verdadeira – disse e dei uma
ajeitada na posição da criança no seio –
se a historia de Drácula fosse real, se cada vez que um vampiro sugasse
uma pessoa ela se transformasse em vampiro, teríamos centenas deles na terra,
milhares, o mundo para os humanos teria acabado, na verdade há poucos vampiros,
eles sempre existiram e sempre vão existir, nem eles mesmos sabem de onde
vieram, a cada cem anos sua memória apaga dos cem anos anteriores, assim ele
vive melhor é assim a seleção natural deles, é como a espécie deles funcionou,
antes havia guerras entre vampiros por territórios a procura de imaculados, as
pessoas que nascem com a tal proteína, agora cada vampiro tem o seu território,
praticamente um continente,eles ficam nas sombras pois sabe já que está
condenado a viver pela eternidade da noite, Turton é o vampiro forte, não
podemos matar um vampiro como ele,
apenas outro vampiro pode sugar a sua energia, porém a guerra acabou e cada vampiro
vive no seu continente.
Queria contar o que a literatura diz
dos vampiros, mas preferi ficar calado, ainda estava muito horrorizado com
tudo, pedi um pouco de água, ela me indicou um filtro de barro, depois de tomar
água perguntei.
-Você não tem chances de ser livre?
– apontei para a criança com rosto de anjo.
-Não, na face da terra sempre
existiram escravos e sempre existirá, o homem livre é uma ilusão, tenho uma
missão cuido da criança, a menina é trazida a mim por Jeová, o cara dono do
posto de gasolina – ela fez um gesto cômico imitando a marcha de Jeová -,
depois que eu me entregar a Turton ele fará o mesmo com ela, vai entregar um
novo bebê para ela cuidar que na época deve completar quinze anos, essa é a
minha idade a mulher que cuidou de mim e depois
foi entregue a Turton, é assim por longos quatrocentos anos, Jeová é um
escravo de Vampiro, assim como eu,
obedece especialmente Turton, somente a ele, assim o Vampiro lhe dá o
dom da vida.
--Quando amanhecer poderá vir
comigo? – disse apavorado – chamaremos a policia, aqui não tem telefone.
-Você realmente acha que uma
autoridade acreditaria em uma historia dessas? – perguntou e sorriu, fiz que
não com a cabeça.
-Você viu um vampiro, olhou para
ele, sabe quem ele é, então só está respirando porque ele quer, considere-se
morto é assim que me considero, existem centenas de escravo de vampiros – disse
ela colocando a menina novamente no leito – tem que se resignar, eu, por
exemplo, enfrento o meu destino, se desobedecer ao vampiro, não viverei tanto,
ainda tenho quinze anos de vida, os vampiros precisam confiar nos seus escravos
para que tenha o direito a respirar, comer, caso contrário eu serei trocada.
Comecei a entender.
-Você é um escravo. – disse
apontando para a minha tatuagem – Turton o escolheu. – fez uma pausa para
respirar –o exato motivo de você ainda respirar, ele gostou de você, em breve
você também será leal seguidor, agora venha até a cozinha, tem alguém que quer
lhe oferecer um café.
Parado
de pé, terno e gravata, a mesma figura masculina que avistei voando de forma
alada do lado de fora , vestido de foram
impecável, sua roupa não estava amassada, sua altura diante da minha
dava uma sensação de David e Golias, magro, rosto pontiagudo lembrando o ator
Clark Gable de Casablanca, colocava açúcar em uma xícara de porcelana fina com
desenhos egípcios, senti um frio na barriga, pois seus olhos que anteriormente
eram vermelhos, agora estavam verdes e de uma ternura sem igual, um homem de
uma beleza incomparável e de gesto cuidadosos e educado.
-Olá
Jeferson – disse em voz suave – desculpe o mau jeito, você sabe, coisas ruins
acontecem o tempo todo.
Fiquei
sem palavras.
Entregou-me
a xícara e sentou-se na cozinha, pediu para que sentasse com um gesto firme
feito com a mão direita, porém gentil, como um pai pede ao seu amado filho para
que se sente a mesa ao seu lado para terem uma conversa de homem para homem,
naquele momento, aterrorizado, me sentia com oito anos de idade..
-Sem
ressentimentos – disse mexendo em uma moedinha na mesa – sabe Jeferson, os
seres humanos dão valores gigantescos a coisas muito pequenas, um exemplo é
essa moeda de um centavo de 1913, ela vale até quatro milhões de dólares, olhe
para isso, quanto que vale uma vida no morro do Rio de Janeiro, cem reais,
menos, pois essa moedinha, que um colecionador que não tem mais nada a fazer
com seu dinheiro, massageia o seu ego possuindo coisas que ninguém possui – ele
olhou para mim fiquei petrificado e escutava suas palavras como um aluno doido
por conhecimento, sentindo o meu interesse ele continuou - propriedade é uma espécie vampirismo, suga a sociedade, tira dela o que
pode e os governos ainda ajudam Jeferson, afinal são os piores sangue sugas,
esse é o lema da nossa época, não é ? É importante saber que eu apenas sugo o
sangue das pessoas porque preciso, falta alguma coisa em meu metabolismo, uma
proteína, que ao mesmo tempo me dá uma espécie de imortalidade faz com que
tenha esses ataques bárbaros que acabou de presenciar – ele tomou um pouco de
café, fiz o mesmo, afinal estava cheirando muito bem.
Guardou
a moedinha no bolso interno do terno e disse.
-Por
isso trousse você e os seus infelizes parentes até aqui, quer dizer, de alguma
forma o destino trousse , claro que não planejava matá-los, não sou disse, um
descuido imperdoável, é que a carne é fraca, sangue fresco me vira a cabeça, o
sangue deles praticamente não adianta nada para mim, um paliativo, uma aspirina
para dor de cabeça, três a quatro pessoas dão a mim vitalidade de horas – disse
tomando outro gole e entregando a xícaras para Valquíria, depois de dar um
sorriso e ela retribuir – para mim você , meu querido Jeferson é como essa
moedinha, valioso, não só em potencial, mas como um futuro “amigo” – tirou um
maço de cigarros do bolso e me ofereceu um.
-
Vou aceitar, na altura do campeonato acho que não vou morrer de câncer – disse
para quebrar o clima, ou de puro nervosismo, quando ficava muito nervoso
começava a contar piadas.
-Senso
de humor, uma qualidade rara nas pessoas dos dias atuais, elas andam nervosas, apreçadas
e ansiosas – ascendeu o meu cigarro e
dele com um isqueiro de prata – há pessoas no mundo com essa proteína que falta
no meu miserável organismo, você Jeferson vai me ajudar a ajudar essas pessoas
a entender o destino delas, você meu amigo. – ele fez um gesto com a mão
direita e segurou o meu braço – sabe o que eu fazia antes, a muito tempo atrás,
dava aulas de filosofia, podia andar durante o dia e passear na praia, porque
havia abundancia dessa proteína, poucas pessoas têm essa proteína, seu trabalho
será encontrar elas para mim – disse puxando a fumaça e soltando no ar - mas antes quero que conte a sua historia,
acompanho você alguns anos, quero ouvir tudo de você Jeferson, conte a mim, sem
mentiras, não gosto de mentiras o que você faz escondido e ninguém sabe, o seu
grande pecadinho.
-Como
assim? – falei surpreso.
-Isso
não é bonito, não adianta esconder de mim o que faz, de alguma forma sei de
tudo, por alto, mas queria saber do detalhe, temos tempo, depois tenho que me
deitar naquele cachão imundo – quando ele falou isso levantei e tentei sair,
mas Valquíria me segurou, novamente aplicando a força e dessa vez cravando as
unhas no meu antebraço.
-Coisas
estranhas ocorrer com a nossa cabeça, tenho que admitir que o que você faz
chamou a minha atenção, nada, nada passa sem que eu saiba no meu território,
principalmente uma coisa dessas – jogou a cinza na xícara de café – você lê?
Acredito que sim, Freud, Lacan, Friedrich Wilhelm Nietzsche, Arthur Schopenhauer, este ultimo o meu
preferido é dele a frase “A glória é tanto mais tardia quanto mais duradoura há
de ser, porque todo fruto delicioso amadurece lentamente.” - Turton deu outra tragada no cigarro, eu fumei
apressadamente, me ofereceu outro cigarro, mas recusei – veja a cultura neste
pais é apenas visual, não há um pensamento, nem mesmo uma opinião, sei, é um
pais jovem, mas já deveria ter mudado, não mudou nada, ou esta mudando para ser
um pais de exploração econômica dos habitantes, nunca presta atenção para
educação, não é?Governantes que não se importam com a exploração de seus
habitantes por multinacionais, governos que se tornaram empresas, um lugar
muito difícil de viver.
Concordei
com a cabeça.
-Tendemos
a mentir menos quando somos mais educados, agora preciso que mostre toda a
educação que possui e me conte sobre a sua primeira vitima, a garota que você
fingia que amava e tirou a vida.
Não
adiantava mais, tinha que contar.
O
ENTERRADOR: A PRIMEIRA VITIMA
Na
escola tive amigos, meus pais apesar da preferência pelo meu irmão Túlio, também
me davam atenção, no entanto não percebiam que dentro de mim crescia um buraco
uma sensação de ausência de não pertencer a esse mundo, insatisfação constante, mente vazia,
ficava sozinho, ouvia rock antigo e lia quadrinho, namorava com um menina chamada
Miriam, só porque fiquei sabendo que ela fazia sexo fácil, de alguma maneira eu
precisava disso, sexo ele me acalmava.
Notava
que não dava satisfação alguma para ela, desfilava comigo de namorado e
transava com o resto do mundo todo, inclusive com o professor de historia um
velho pervertido que fazia tudo dentro do escritório dele e filmava com a
câmera do celular o pinto dele entrando na bunda da Miriam, quase invisível
tampado pela barriga, ela me mostrava depois, dava gargalhadas.
-Quer
ver uma coisa interessante Jeff – dizia e me mostrava o celular à filmagem, o
velho barrigudo com seu órgão sexual murcho e diminuto segurando a câmera
enquanto Miriam fazia as coisas mais horripilantes com o próprio corpo – ele
não tem ereção, tem orgasmo sem ereção,o professor – ela ria ao me dizer isso
no quarto e começava a se despir, tínhamos apenas dezesseis anos, eu sabia que
aquele jogo era perigoso e que um dia ia ocorrer uma tragédia.
Meu
pai nessa época trabalhava em um posto de gasolina como frentista e minha mãe
fazia comida para fora, eu era o entregador, pois meu irmão Túlio tinha que
estudar, ele era o queridinho da família, tinha notas altas e meu pai repetia
no jantar.
-Vou
investir todo o meu sangue em você menino, desculpe pelo trocadilho Sr. Turton,
essa coisa do sangue – disse olhando para o vampiro, ele sorriu e falou.
-Já
disse, tem senso de humor.
-Sim
senhor – disse mostrando respeite e pegando um cigarro que estava sobre a mesa
– posso pegar um desses Sr Turton?
-Me
chame Maxwell, continue, tem uma notável capacidade de narrador – disse
colocando mais café e me oferecendo, eu fiz um gesto declinando, continuei a
minha patética historia.
Vivíamos
em casa alugada, assim sempre estávamos mudando para uma mais barata, menor e
pior, nossa ultima moradia foi na beirada de um córrego, um esgoto a céu
aberto, vivíamos na casa dos fundos, três filhos em um quarto, minha mãe e meu
pai na sala, foi o pior lixo de moradia que tivemos, naquela época, Túlio,
filho beneficiado deu retorno ao esforço dos pais e passou na federal de
Medicina, no ano seguinte passei em biologia na mesma federal, mas foi como
nada tivesse acontecido, meu pai falou apenas.
-Disse
que era inteligente, só poderia ter escolhido uma coisa melhor – eu argumentei
que devíamos estudar e fazer na vida o que gostamos, ele completou – eu faço o
que gosto, estudo serve para diminuir o esforço de viver é para isso que serve
o estudo, nada mais.
Túlio
tinha tempo livre para estudar,eu, ao contrário, mesmo na universidade, tinha
que entregar as marmitas, foi quando arrumei um emprego em uma livraria cheguei
em casa eufórico, minha mãe estava na cozinha improvisada preparando as
marmitas.
Senti
que estava a um passo de largar uma das coisas que mais odiava, minha
felicidade era desmedida, resolvi contar ali mesmo na cozinha.
-Mãe
eu arrumei um emprego – disse, mas ela nem olhou para trás, nem falou estava
concentrada demais.
-Tem
que levar a marmita da dona Rosa, ontem ela reclamou que você chegou depois do
meio dia e que ela estava azul de fome – disse sem levar em conta o que eu
acabara de dizer.
-Arrumei
o emprego, não quero mais entregar marmita, vou trabalhar em uma livraria –
disse de forma mais incisiva, então quase gritei, meu pai que estava na sala
veio até a cozinha em defesa da minha mãe.
-O
que está acontecendo aqui? – disse com um tom de voz superior.
Tentei
me acalmar, baixei o tom de voz e expliquei que havia conseguido um emprego em
uma livraria e ganharia salário mínimo e mais alimentação, ainda manteria meus
estudos de biologia, eles me ouviram, mas não me escutaram. Já repassei muitas
vezes esse momento fatídico, onde a crueldade de uma família transforma os seus
membros, tinha sonhado com um resultado completamente diferente, uma aceitação,
uma alegria, nesse instante notei que a nossa vida dependia muito do que os
outros pensavam, isso matou algo em mim, minha fá no mundo que já era pequena
foi embora, passei os próximos três anos segueis entregando marmita, fedendo a
comida e odiando meu pai e minha mãe por isso.
Miriam
ficou indignada, mas a indignação dela não ia além das palavras, alguma coisa
me dizia que o que ela fazia com a vagina, na verdade era a mesma que eu
procurava falando com as pessoas e me lamentando por ter perdido o emprego na
livraria, me fazia de coitadinho, Miriam não, a vagina solta a torto e a
direito era busca por aceitação, trepava
com a maioria dos rapazes, segundo ela mesma me informou apenas uma vez teve
orgasmo, quando o namorado era bonito e muito chato ela fingia, comigo ela não
precisava fingir, por isso ela gostava da minha companhia.Tive bons momentos
com Miriam, mas quando ela saiu da minha vida nem percebi, era insignificante,
um pedaço de carne que não falava nada que pudesse me ajudar a suportar a vida.
Geórgia
crescia de forma rápida e sem acompanhamento dos fodidos pais que tinha, quando
fez catorze anos levou um retardado de mais de quarenta para casa e rotulou de
namorado, minha mãe apoiava, queria que ela casasse logo e saísse de casa,
assim teria menos uma responsabilidade.
Ariovaldo, namorado de Geórgia, gente boa, não
era feio e trabalhava como pintor de parede, meu pai ficou louco com aquele
namoro, o que mostrava como estava sego, pois o namoro acalmou minha irmã,
antes ela estava à beira da loucura, usando quase todos os tipos de drogas,
saindo com caras perigosos, segundo me falaram na rua saia até com um
traficante da região, meu pai e minha mãe preocupada com a questão da
sobrevivência da família nem ligavam com o aparecimento de Ariovaldo, meus pais
começaram a se preocupar com a filha, de qualquer forma o namoro extremo de
Geórgia acabou levando para a salvação.
Dois anos antes da viagem para essas terras
que tudo começou, eu era solitário, mas por opção que por falta de amigos,
ficava parado, sentado na calçada e ela passava bem perto das minhas pernas,
nem olhava para mim, linda com seus cabelos pretos, pele branca, macia e lisa
como a superfície de uma maça, podia sentir a textura de longe, tinha olhos
grades, verdes, e duas covinhas quando sorria, para mim era um anjo, para a maioria
dos outros rapazes da rua a menina a ser conquistada, nunca chegou perto de
mim, nem mesmo falou comigo, passava na minha frente e nem me olhava, a
estética é muito importante para felicidade, sem beleza o mundo empobrece.
Descobri
que estudava enfermagem e seu nome era Carolina, tinha um seleto grupo de
amigos à maioria do hospital onde fazia estágio, muito extrovertida, brincava
com todos, tinha um namorado Wagner, um bonitão, desses caras altos e que vivem
em academias, tatuado como eu, mas essas tatuagens que o individuo tatua o
corpo sem ter nada, em outra língua, uma que ninguém sabe, besteira, uma pessoa
sem para dizer. Outra tatuagem na panturrilha, região posterior, muito
colorida, sem nitidez, para saber o que era tinha que se estar a um palmo dela.
Carol
vivia sozinha com as amigas, Wagner só aparecia nas festas, me aproximei de
Laura, uma das amigas de Carol, pelo menos Carol pensava assim, mas inveja e
ressentimento fazem parte da natureza humana, mulheres do grupo de amigas de
Carol nada tinham de amigas, Laura havia gostado de mim, nunca vi uma mulher
tão fácil para sexo, nem mesmo Miriam, de alguma forma Miriam era ética não
tinha compromisso que quisesse ficar com ela tinha que saber da sua liberdade,
já Laura odiava ao marido, qualquer lugar que tivesse o mínimo de privacidade
ela abria as pernas, eu que não estivesse preparado com a camisinha no bolso,
ia sem camisinha mesmo, uma puta, sem vergonha, com um censo de moral abaixo
dos assassinos do Carandiru, era dela as palavras “bicha merece porrada, pobre
tem que morrer”.
A
tristeza de Laura as vezes está nos olhos de cada mulher, ela achava que todo homem só se interessa
por sexo e que as mulheres estavam
aprendendo a ser assim também, não se importava com o marido que tinha um grande
defeito, era “pão duro “, apesar de ter dinheiro não deixava nada para ela
gastar com futilidades e coisa de mulher. Laura tinha que trabalhar e ganhar o
próprio dinheiro, para colocar silicone, fazer a cirurgia da barriga dos
lábios, aparelho nos dentes e ir ao salão de beleza quando bem entendia, além
disso, Laura gostava de viajar, depois de várias brigas e algumas separações
decidiu que teria um marido para pagar as contas e um amante a sua escolha.
Laura
tinha uma ideia sobre os amantes: o cara romântico aquele que diz as palavras
doces, que compra as joias, que paga as viagens, tudo escondido do marido, como
disse uma puta casada e que traia o marido com qualquer idiota de carteira
cheia ou que ela achasse bonito, nessa segunda categoria me incluía.
Além
de mulher de vida fácil, escondida atrás de um rótulo de mulher liberal, Laura
tinha outro defeito: fofoqueira com historia de todos para contar, uma vez uma
de minhas professoras de biologia disse: ”a fofoca é uma saída para pessoas sem
cultura conversaram”, concordei, pois era só chegar perto de Laura que o
assunto era outra pessoas, uma que não estava ali na sua presença, alguém que
por um motivo qualquer Laura não gostava, no meu caso sempre o assunto era Carol.
Laura insuportável siliconada, cheia de
cicatrizes de lipo, se achava a bonita no pedaço me perguntava, nos dias em que
eu estava de Platão no laboratório do hospital e Laura na farmácia.
-Você
gosta da Carol, não é, dá para saber é só olhar para a sua cara quando ela
aparece – dizia e me beijava em um canto escuro qualquer, na boca, seu beijo
tinha um gosto incipiente, sem sal, de quem não queria beijar, eu também
pensava algumas vezes no destino daquela boca e o pênis do diretor do hospital Saulo que contava pelos
corredores que comia Laura e que ela fazia isso e aquilo.
-Agente
não vai falar de Carol? – dizia, mas era inútil, mesmo fazendo sexo com Laura
ela pedia que eu chamasse de Carol, nunca fiz isso, acho que ela simulava
aqueles orgasmos, tenho certeza que a maioria das nossas relações foi uma
mentira, inventada por Laura , uma mulher obsecada por uma atenção e pela
beleza, que na sua cabeça estava superando Carol.
Laura
foi minha porta de entrada, mas depois virou uma praga, vivia atrás de mim, não
sou bonito, mas tenho uma figura atlética, gosto de tatuagens, atrativo que as mulheres costumam gostar
muito..Laura, no hospital, era técnica de farmácia, distribuía remédio, o
marido engenheiro agrônomo o pobre do chifrudo, tinha dias que ela transava com
dois caras dentro da farmácia, um dos médicos aparecia lá babando, mas não
conferia nada, ela não ligava para ele, o velho medico queria comida de graça e
Laura não fazia, ou era pela beleza ou pelo dinheiro.Descartava o médico uma
forma de poder superior da mulheres bonitas, a estranha maneira de demonstrar
que mais gente a queria, Laura tinha
“critérios”, só transava com homens que as outras mulheres achavam mais bonito da parada, ou o mais atraente, ou o
mais forte,ou o mais rico, tinha que ter o “mais” na frente, assim alimentava o
seu ego, no fundo se achava mais feia do que gostaria e menos inteligente que a
maioria das mulheres.
A
exceção foi o diretor Saulo, pois ele não era o “mais” diretor, ele era apenas
o diretor, o manda chuva, uma forma
articular de sobrevivência, sexo para ficar de bem com o patrão,ele descobriu
que tinham meus encontros com Laura, então me chamou uma vez no escritório
-Olá
Jeferson, passa bem, e o Flamengo, o meu Vasco é uma merda, gosto muito do seu
trabalho – disse apartando a minha mão e disparando como uma metralhadora as
palavras aprendidas no seu dia a dia, sua mão era gelada e tinha uma gosma
grudenta nela, ele tinha sessenta anos, médico gastroenterologista, atendia no
protossocorro há dez anos, praticamente um dos primeiros médicos dali, usava um
óculos retrô, da moda e quase sempre estava de roupa social, terno e gravata,
tinha uma face carcomida, com buracos que o tornavam mais velho do que a sua
idade cronológica que dizia ter, provavelmente o preço pelo longo tempo de
tabagismo, seu nariz era grande demais para o rosto, ele vivia, de forma
impertinente mastigando um chicletes, tenho certeza que esse hábito maldito era
outro esforço para largar o cigarro, conhecia quase todos os políticos atuais e
tinha grande influencia, por isso era o diretor. Um porcalhão com mulher e duas
filhas, ambas dentistas, parecia interessado em viver os seus últimos dias como
um Don Ruan, conquistando as enfermeira, faxineiras, técnicas e médicas que se
deixassem tocar, beijar e abraçar, havia leis no país com relação ao assédio,
porém todos já sabiam como era o velho Saulo, beijoqueiro, safado, imundo,
ninguém denunciava, no entanto ninguém suportava.
-Que
foi Dr. Saulo? – disse largando aquela mão asquerosa e, em um gesto infantil,
limpei na calça.
-É
esse seu comportamento Jeferson – disse colocando água no copo e depois bebeu
fazendo um barulho horrível – essa historia com a Laura está vazando pelos
corredores, o hospital tem que ter alguma moral – fiquei com vontade de dizer
que a historia dele era bem pior, mas me calei, hoje temos que manter nossos
empregos, vivemos a era da influencia, onde os chefes são uma corja de
sociopatas, só pensam neles, não pensam na empresa, nem no empregado, nem no
produto, estão sempre pensando neles, quando tinha seis anos deixei de
acreditar na ética, na moral e na justiça,
agora nos tempos atuais, acho que
o mundo da influencia, se dá bem quem tem dinheiro e influencia, ou até nem
precisa ter muito dinheiro, mas se tiver influencia terá a sua vida facilitada
o restante tem que usar de todos os recursos para sobreviver,ou seja têm que
subir o penhasco com as próprias mãos, se caírem não terão corda de segurança,
a vida é feita desse tipo de material, desse tipo de substancia, apenas uns
poucos privilegiados podem deitar a cabeça e dizer que sabem como vai ser o dia
de amanhã precisava do emprego, tinha que tolerar Saulo, aquele filha da puta
mastigador de chicletes.
-Já
entendi – disse pedindo para voltar ao trabalho, foi uma conversa vazia, teve o
sentido contrario que o desejado pelo Dr. Saulo, eu comecei a visitar Laura
mais vezes, porém bem às escondidas, ele voltou a me chamar mais uma vez, dessa
vez foi incisivo e descortês.
-Quero
que se afaste dela – disse bem perto, pude perceber o ato da mastigação com
grande quantidade de detalhes o que quase me fez vomitar.
Talvez
Nelson Rodrigues estivesse certo quando escreveu a Dama do lotação, Laura era
uma espécie em expansão, aparecia cada vez mais daquele tipo de mulher ,as
esposas que se vigam com sexo e fazem os maridos padeceram pelo sexo. Pela
diferença de idade e principalmente pela beleza genuína de Carol, Laura a
odiava, isso só pude perceber com o convívio, tinha toda espécie de fofocas
maldosas sobre Carol, dizia :
-Essa
sua paixão, essa tal de Carol é uma louca sabia? Vivi querendo se matar, já
chegou aqui – ela fez um gesto com a mão para baixo - bem nesses hospital depois de tomar um monte
de remédios para morrer, dondoca! Eu não, eu , meu caro, adoro a vida, quero
viver intensamente regada a cerveja, viagem ,sexo e homens bonitos – disse isso
,mais de uma vez de forma classicamente má, nunca confirmei nenhuma dessas
historia, ninguém mais falou delas, nunca me preocupei em perguntar para Carol,
já conhecia minha amiga, sabia que suas horas depressivas eram grandes buracos
negros em sua personalidade fértil e alegre..
Nessa
época, bem avançada do meu curso, trabalhava no laboratório como técnico de
laboratório, dava para ganhar uma grana, queria conhecer Carol e tentar ser
amigo, já havia falado com ela uma ou duas vezes, mas ela só dizia:”ai barbudo,
como vai”.
-Só
falava isso – disse ao Vampiro e aceitei outro cigarro.
-Só,
não é uma merda, esse tempo todo a Laura achando que eu tivesse alguma coisa
com Carol e ela me tratava como alguém distante e por um apelido genérico, na
pratica eu era uma nulidade completa.
-Você
estava apaixonado por Carol? – perguntou.
-Absolutamente,
completamente.
-Continue.
Conversei
com ela por uma hora e meia durante uma festa no final daquele ano, o que me surpreendeu
é que a menina brincalhona era na verdade uma pessoa solitária e depressiva,
sempre com raiva e disposta a falar palavrão, encontrei com ela depois que ela
teve uma briga com Wagner, estava sentada em um banco no jardim, me aproximei
mesmo com o medo de ser rejeitado.
-Posso
– disse sentando.
-Oi
barbudo – disse ela limpando as lagrimas – posso não ser boa companhia agora,
acabei de ter um lance de merda com o puto do Wagner.
-Eu
nunca sou boa companhia, acho, pois nunca tenho companhia, assim podemos ser
uma companhia ruim um para o outro – disse olhando para a lua cheia e vi que
ela sorriu.
-Aquele
idiota do Wagner, homens só pensão com o p.... – disse terminado de limpar as
lagrimas – desculpa barbudo, como é mesmo o seu nome?
-Jeferson
– disse encabulado.
-Pois
é Jef, quando fico nervosa falo muito palavrão – disse sorrindo, não era um
sorriso sincero, tinha as suas interferências do animo, mas era um sorriso
bonito.
-Briga
entre casais, isso é normal – disse, torcendo para aquela briga ser séria e
separar o casal abrindo caminho para mim.
-O
cara é um filho da puta, queria que agente fosse até o mato ali na frente desse
“uma” ligeira porque ele estava estressado e aquilo retirava o stress, vai
retirar o stress na casa do caralho, raio que o parta, na puta que pariu –
disse em um tom de voz que falamos quando estamos em uma briga – estou aqui com
meus amigos, os últimos que me restam na face da terra e o cara não aguenta
quinze minutos sem sexo?
Não
sabia o que dizer então, por instantes, eu fiquei calado.
-Tudo
para ele é sexo, cacete, sou uma maquina de sexo? Sempre a gostosa, excitação,
tesão, nunca meu amor , linda, tenho que me submeter a todos os seus desejos
pornográficos ou ele disse que ia me trocar por outra que fosse mais mulher,
que fosse boa de cama – disse olhando nos meus olhos – os homens são assim
barbudo, quero dizer Jef,, eles não entendem as mulheres, as vezes elas querem
um pouco de romantismo, carinho um abraço.
Concordei
com a cabeça e disse.
-Pode
me chamar de barbudo se quiser – eu olhei para a lua e completei – só você me
chama assim.
Ela
sorriu dessa vez o sorriso iluminou a noite e a lua tornou-se uma lâmpada
obsoleta.
-Hoje
preciso tomar remédio, se não fico com a sensação que tenho que morrer hoje
ainda, para acabar com tudo – foi a primeira vez que ela falou de morte -, já
acho essa vida uma bosta completa, gente que fica rindo como hiena, não sabe o
que é sofrimento, toda a minha vida fui vazia, quando tinha dezesseis anos
roubei o carro do meu pai e atropelei umas pessoas na calçada, matei duas
crianças, gêmeas, quem tem uma puta falta de sorte dessas?Eu não sofri nada,
sai da porra do acidente sem nenhum arranhão no corpo e com a minha alma toda
ferida, foi como ter tomado soda caustica, você quer saber barbudo, tinha que
ter morrido naquele acidente, agora a morte me ronda, acho que desde criança a
morte me ronda como uma ave de rapina, sabia que existe muita criança
depressiva por ai, fico pela vida andando já morta, Wagner nem me escuta, assim
como você que está me escutando, uma mulher tinha que ter dois homens um para
sair e conversar e outro para cama, não que eu não ache você bonito, nem que
não fosse para cama com você, deixa pra lá! Já comecei a falar besteira é que
gosto do desgraçado do Wagner e me fez bem essa conversa desabafar com você.
-O
acidente ele é que te deixa triste, tem que esquecer ele? – disse pegando
suavemente na mão dela.
-Acho
que nasci triste, frustrada, sempre quis ser mais do que sou, ou não quis ser
nada disso que queriam que eu fosse, deu com o carro no meio daquele pessoal
porque me assustei com um moleque de patins e daí?Isso acontece, nem sempre uma
coisa ruim ocorre por maldade – ele fez uma pausa para respirar – sim eu tirei
o carro do meu pai sem experiência para dirigir, fui irresponsável, quem não
fez uma coisa assim atire a primeira pedra?Todo o meu futuro foi por água
abaixo, fui detida, insultada, perdi minha bolsa na faculdade de medicina, me
trataram pior do que um assassino frio,
pois eu era menor irresponsável que tinha que ser punida, queria ser cirurgião,
mas depois desse embrulho todo do
acidente meu pai teve que gastar muito dinheiro para me livrar, sai da escola
de medicina, perdi o passo do estudo e comecei a tomar um monte de remédios para minha cabeção que me deixavam mais lerda, não consegui passar
no vestibular no ano seguinte, sabe como anda esse vestibulares para medicina,
assim tive que estudar enfermagem, acho que foi uma espécie de punição dos
deuses, afinal o casal de gêmeos que eu matei não vai poder estudar nada, então
Deus mandou essa merda de castigo para mim.
-Você
era jovem – disse olhando para a lua, mas achava que a conversa deveria sair do
olho furação que era aquela tragédia – será que as pessoas não entendem que a
razão é uma aquisição nova do ser humana, comportamento racional é uma vantagem
nova do homem, quanto mais jovem, menos racional , pessoas nessa faixa etária
agem por impulso, os impulsos são comportamento desorganizados que satisfazem,
ou tentam satisfazer uma vontade momentânea, consciente ou inconsciente.
Certamente a culpa não diminui a tragédia, nem aumenta, ela existe como uma forma
de impotência, nada mais.
Carol
riu e disse
-Você
é inteligente – sorrateiramente segurou minha mão para completar o seu
pensamento, continuou a falar com palavras simples e diretas.
-Não
carrego culpa, sempre fui assim meio depressiva, acho que você tem razão quando
compara culpa com impotência, não posso voltar no tempo e fazer o que é certo,
gostaria, mas não posso, então a sociedade me pune e usa como exemplo para que
outros jovens não façam o mesmo – ela
apertou a minha mão - não é a culpa que altera o meu humor, sempre quis morrer,
sempre estive insatisfeita com tudo, não carrego culpa, nem seu o que é isso,
se tivesse culpa meu sofrimento teria um sentido, sei que um mundo sem culpa é
um mundo perigoso, na minha cabeça, nem pela morte dos garotos, nem pelas
outras besteiras que fiz, não senti culpa não carrego culpa alguma, só não me
encaixo nesse mundo, não sei a quem ele pertence, não há nada que me motive a
viver, talvez se voltasse a pensar e ser médica, mas na minha cabeça soa agora
como uma vontade caricata distante de quem sou agora, coisa de sonho
carnavalesco, um mito ridículo que nunca me convenceu – disse anotando um
telefone na minha mão – liga pra mim, não pensei que você fosse um ouvinte tão
bom e inteligente.
-Digo
o mesmo – disse olhando o numero com esperança – tem lido muito, acho que leu
até autores em comum, gosta de Philip Roth, Paul Auster, algum desses – disse
desesperado para manter a conversa.
-O
resto da conversa fica para depois, não leio muito, não tenho tempo para isso,
para que serve a leitura? Alguém respeita a cultura atualmente?Alguém se
importa com quem lê?Depois a gente se fala Barbudo – disse correndo de volta
para festa fiquei ali parado com umas poucas palavras sinceras desconcertam o
mundo.
Assim
começou a nossa amizade, que depois se tornou romance.
-Menina
é inteligente, mas extremamente depressiva. – disse o Vampiro – continue.
A
vida de uma pessoa depressiva e autodestrutiva pode ser muito aborrecida,
acompanhei os piores e melhores momentos de Carol, o melhor momento sempre
estava associado com excesso de bebida, farra e viagens, os piores momentos
associados à falta de dinheiro e a presença de Wagner, perguntei para ela por
que continuava com um cara que ela fugia da presença? Ela me disse que ele era
um futuro bom marido, rico, com um bom instinto paterno e que não devemos casar
com quem amamos, pois isso sufoca e destrói.
Acho
que quase chorei naquele dia, Carol ao fazer aquela colocação autodestrutiva,
antecipa momentos de catástrofes, tem medo da felicidade por não suportar
perder o que tem, ela era assim isso me deixava triste e ao mesmo tempo
aumentava a minha paixão.
Olhei
para o Vampiro parado a minha frente, já conversávamos a três horas, ascendi
meu quinto cigarro, minha garganta já doía, o gosto já não era tão bom, mas não
havia nada a fazer, disse para ele.
-Para
mim Carol valia cinco moedas dessas.
Ele
balançou a cabeça e disse.
-Uma
comparação interessante, que neste caso, neste sentido levaria a morte da
menina, não é – disse sorrindo de leve e com a mão no queixo – continue.
-Então
o amor é uma farsa? – disse quando comia na lanchonete da universidade e Carol
estava na minha frente, segurava o sanduiche em uma das mãos e gesticulava
muito com a outra..
-Sim,
totalmente, sentimos simpatia ou tesão, necessidade, afeto, por momentos muito
curtos, depois vem a avalanche de problemas, necessidade da solidão, ou vem o
sentido de posse, a luta pela sobrevivência, as diferenças, as vezes tem uma
coisa em um cara que eu gosto, e acho duzentas que eu não gosto no mesmo cara,
as pessoas tentam viver juntas, assim como tentam viver em sociedade cercadas
por mentiras, essa merda toda cai, vivem como dá, soterrados por uma avalanche
de falsidades. – disse e fez uma pausa para uma mordida no sanduiche de atum.
-Não
acha que a mentira é necessária para a vida em comunidade? Se uma pessoa falar
o tempo toda a verdade pode se complicar e tornar a sua vida impossível– disse
e peguei o meu suco bebi devagar, meus olhos ficaram fixos nos olhos verdes de
Carol, uma sensação de desamparo rondava aqueles olhos, algo assim na face que
não conseguia determinar, alguma coisa sombria.
-Sim
acredito na necessidade da mentira, Jose Saramago em seu livro O Ensaio Sobre a
lucidez diz que o homem é um dos poucos animais capaz de mentir, mente até para
proteger a verdade, mas hoje se faz disso uma bandeira,um estandarte do
tipo:”viva a mentira,ela nos deu a sobrevivência”, então quem é que fala a
verdade? – ela parecia entusiasmada com o assunto – exemplo, você deixa a sua
carteira com mil reais em nota de cem, um exercício de faz de conta que é um
ricaço, esses são os seus trocados, sai do quarto e esquece a porta do seu
quarto do hotel aberta, vamos dá duas
condições: primeira entra uma camareira, digamos que o hotel não tenha câmeras,
pois agora pra toda merda de lugar tem câmeras, entra olha a sua carteira e guarda na gaveta, não
rouba nada, depois entra a segunda camareira, entra vê que tem dez notas de cem
reais e tira duas, você nem vai perceber, por ser muito rico, tem muitas coisas
a pagar, deu muita gorjeta e nunca conta o dinheiro, além disso não pode acusar
ninguém porque deixou a porta do quarto aberta, então em que mundo você prefere
viver, o da primeira camareira ou o da segunda camareira? – perguntou Carol.
-Isso
é uma questão de honestidade – disse de forma enfática.
-Verdade
ou mentira é uma questão de quê? – ela tomou o suco e concluiu – maior ou menor
dano?Periodicamente honestidade que você fala esta caindo em segundo plano, só
que a sociedade não quer ver, afinal não
tem o ditado:” a mulher de Cesar não tem que só ser honesta ela tem que parecer
honesta”.
Tive
de concordar, nos encontramos mais algumas vezes, um dia, na porta do cinema,
ela me disse.
-Quer
fazer sexo comigo barbudo, é isso que você espera, não é? – disse olhando nos
meus olhos.
-Espero
que me ame, isso você já sabe – disse de forma sincera.
-Posso
amar você, mas não vou fazer sexo, posso fazer sexo com você, mas posso não
amar você, o que prefere, seja sincero?. – Foi um golpe para mim.
-Não
sei, gostaria dos dois – disse meio atrapalhado.
Ela
sorriu e colocou a mão no meu ombro dizendo.
-Tenho
uma coisa para pedir para você, só depois que a gente fizer sexo – fiz a cara
de espantado – é posso fazer sexo com você, mas não vou amar você, infelizmente
não escolhemos quem amamos, no entanto é muito bom saber que você me ama, de
verdade.
-Você
tomou alguma droga, pois não estou entendendo nada do que você está falando –
disse de forma sincera, ela estava me confundindo, o magricela que estava na
nossa frente na fila do cinema sorriu, muitas pessoas ficam escutando a
conversa ao redor, como um radar.
-Vamos
ver o filme, depois a gente conversa – claro que filme foi o que não vi,
principalmente quando ela me abraçou e encostou o seio no meu braço esquerdo e
pude notar a pele macia, de um corpo natural sem silicone, não aquela bola
dura, falsa de Laura, com suas cicatrizeis, Carol fez o meu coração disparar
durante todo o filme, uma sensação que nunca mais se repetiu integralmente, de
estar vivo.
-Isso
é amor – falou o vampiro – essa historia está quase me comovendo, eu disse
quase.
Depois
do cinema ela me falou de repente bem depois de comprarmos um sorvete.
-Quero
que você me mate, levo fé em você, não tenho coragem para me matar, já tentei,
quero alguma coisa garantida, acho que você é a pessoa certa, não pediria isso
se não confiasse na sua amizade – disse de uma vez todas aquelas palavras
infames que destruíram meu ego, feriram meus sentimentos para sempre.
-E
você a matou – disse o vampiro.
-Sim
– engoli em seco e já estava no terceiro cigarro – mas não foi tão fácil como
pensei, no primeiro momento joguei o sorvete no lixo e abandonei Carol no meio
da praça de alimentação.
Disse
quase gritando.
-Você
é uma louca – sai e do lado de fora em um canto escuro chorei.
Dois
dias depois ela me procurou, eu estava na fila do restaurante bandejão, veio
devagarzinho e me cutucou por trás, já sabia que era ela ,mas não queria
enfrentar a situação, na minha casa estava barra pesada, minha mãe tomava um
monte de remédios, meu pai saindo de um emprego para o outro, Túlio consumindo
toda a renda extra da família com seus livros e Geórgia por conta própria,
quase ninguém via aquela menina entrar e sair de casa, com tatuagens, drogas,
álcool, tudo que tinha direito, nem estava ligando para as catástrofes que
envolviam a minha família.
A
conjuntura política brasileira caminhava para uma ditadura disfarçada de
democracia supervalorizada, vivia a ditadura da maioria, o partido que inventou
a greve tinha acabado com ela, os juízes com seus salários milionários
apressava-se em tornar a greve ilegal, a impressa preocupada com a audiência
queria uma greve sem transtorno para a população?Entende isso? Uma greve sem
transtorno!A melhor forma de mordaça é a econômica, ai a classe baixa não teria
direito a ascensão, a universidade publica estava loteadas em cotas, o emprego
era alguma coisa rara, transito enlouquecendo as pessoas, tanto a justiça como
a medicina não acompanhavam o crescimento populacional, vivemos uma verdadeira
praga de gente.
Os
heterossexuais as voltas com o divorcio com o casamento, os homossexuais
querendo casar, papa era Argentino, já que o extraordinário teólogo Bento , não
tinha popularidade e nem saúde para ser Papa, bombas explodindo em todos os
lugares, principalmente na UEA e eu sem nenhum tostão no bolso.
Tudo
aquilo acontecendo e ela estava ali na cantina da universidade, batendo no meu
ombro como se não tivesse me falado nada, como se não tivesse pedido para
matá-la.
-Oi
barbudo, não me diz que está chateado comigo até agora? – disse me beijando na
boca.
-Chateado
pra caralho, isso é coisa que se diga para um amigo? – falei, mas a presença e
o perfume, além do beijo que ela me deu já haviam modificado as minhas
impressões, eu estava apaixonado, não havia duvida, extasiado pela beleza dela,
nem Miriam, nem Laura ficavam mais de trinta segundo na minha cabeça, nem
quando fazíamos sexo, nada sobrava da troca de secreções, apenas o alivio do
desejo,somente Carol penetrava na obscura zona dos meus sentimentos verdadeiros,
só ela era dona desse espaço, quando a encontrei já não tinha raiva, disposto a
perdoar tudo,completamente desarmado.
-Desculpa
– disse sentando do meu lado.
-Aquela
ideia você tirou da cabeça – disse baixo para que outras pessoas não ouvissem.
-Eu
sou aquela ideia, se não for você será outro – disse comendo o pedaço de couve.
Aquelas
palavras, literalmente, fechou o cachão, minha ideia era ir direto até o pai
dela e contar tudo, sua filha está pensando em se matar é ideia fixa.
Amanheceu
o dia fui até a casa humilde em um subúrbio, quem abriu a porta foi mãe dela, a senhora Marina, uma mulher que
cedeu muito dos seus traços para a filha, mesma beleza, porém mais alta e com
ar mais aristocrático, tinha cabelos negros, preso em forma de coque, a pele branca
da face estava coberta por uma pesada maquiagem,uma coisa que não combinaria
com Carol, ela me disse que estava de saída e que o marido estava no
escritório. Ele era contador e trabalhava em casa.
Quando
entrei no escritório reconheci a bagunça tradicional desses lugares e seu
Eduardo falava ao telefone, pediu que esperasse, eu fiz isso observando todo o
escritório de pé, depois pediu que sentasse, eu obedeci, falava com alguém que
foi pego na malha fina, levou alguns segundo naquela conversa chata, depois
desligou e apertou a minha mão.
-Precisa
de alguém para fazer o seu imposto de renda? – disse com simpatia, era um homem
gordo, baixo e sem carisma algum, tinha uns óculos na cabeça e respirava rápido
como se estivesse sufocando, senti um cheiro de cigarro, acho que ele fumava,
certamente é possível que isso ocorresse
escondido da esposa, sentado na mesa apertada com a barriga encostada sobre a
tampa ele me perguntou novamente, já que me mantinha calado – se não é o
imposto o que quer?
-Sou
amigo de Carol – ele ouviu e mudou de fisionomia, de gordo simpático a um homem
carrancudo.
-E
o que faz aqui, eu acho que ela não está, não me interesso pelos assuntos dela
– disse pegando os papéis contábeis para fazer novamente depois de abaixar o
óculos.
-Eu
sei – disse sentando a sua frente, mesmo assim Eduardo não me olhava mais –
escolhi essa ora porque sei que está na aula de inglês.
-Se
tiver que falar alguma coisa fale logo e vá embora.
-Carol
quer se matar – disse de uma vez, mas ele não se mexeu.
-Ela
está em tratamento, tudo que poderíamos fazer já fizemos – ele disse tirando os
óculos e olhando para mim – agora vá embora.
-Que
merda!Merda! Merda!– disse gritando – ela me pediu para acabar com a vida dela,
o senhor entende isso, aquela menina linda pediu que acabasse com a vida dela –
fiz um gesto de impaciência, levei a mão ao rosto para buscar algum tipo de
controle e continuei - e você vai ficar ai parado com essa bunda gorda sentada
nessa cadeira ridícula fazendo a
porcaria do imposto de renda dos outros?
Ele
levantou abriu a porta e me pediu para sair.
-Filha
da puta insensível - disse saindo.
-Se
envolva com a minha filha e verá que é insensível – disse e bateu a porta.
Aquela
noite eu encontrei Carol, ela chorava em desatino, sem motivos, perguntava o
motivo e ela balançava a cabeça em negativa, fomos andar por uma mata próxima
ao campo de futebol.
Não
havia uma atmosfera romântica, tudo que restava ali era a presença, Carol ficou
do meu lado sentiu a minha vontade e fizemos amor, depois deitamos nus e ela
voltou a chorar, nunca vi tanta tristeza, tanta
dor, ela gritava e soluçava.
Aos
poucos aquilo foi me irritando então disse para ela.
-Quer
que eu te mate?
Balançou
a cabeça afirmativamente, parando subitamente de chorar.
-Você
quer que eu ferre minha vida inteira, quer que eu te mate agora?
A
egoísta balançou a cabeça, seu choro parou e pude ver um sorriso sair dos seus
lábios, quem poderia ter alegria na morte?
-Muitas
pessoas – disse o vampiro, depois de se ajeitar na cadeira – seu relato está estupendo
a uns setenta anos que não escuto nada tão original.
Fiz
o que fiz, naquele momento for pura irritação acho, uma forma de agradar a quem
tinha me agradado, nu em pelo, toquei o seu corpo, deslizei a mão por ela.
-Como
quer morrer? – perguntei.
-Sem
dor, apenas desaparecer.
Fiz.
Dentro da minha mochila um equipo de soro,
coloquei nela, fiz uma injeção de midazolan coloquei a princesa para dormir,
depois injetei ar, vi Carol morrer silenciosamente.
O
hoje não sei se fiz isso por amor, depois enterrei o corpo, fiz uma sepultura
linda, eu mesmo pintei a pequena cruz, afinal o simbolismo cristão me agrada,
agora o pequeno bosque ao longe da cidade pertencia a Carol.
A policia não procurou por muito tempo, pois
para não levantar suspeita ou por raiva matei Wagner, uma morte sem charme, um
tiro de trinta e oito na nuca, jóquei o carro dele no rio e enterrei em uma
cova rasa, onde sabia que animais viriam comer o corpo, bem longe de Carol,
longe da cidade.
Ao
enterrar Carol encontrei uma caderneta com uns nomes riscados e um bilhete para
mim, dezesseis nomes, no bilhete dizia que aquelas pessoas precisavam de mim,
que elas eram como Carol.
Ela
sempre soube sobre os meus instintos, foi por isso que me escolheu, sabia que
eu era capaz
O
vampiro bateu palmas.
-Bravo!–
disse para Valquíria – conte-me, diga a jovem Valquíria quando pensou em matar
Carol?
Eu
abaixei a cabeção e disse.
-No
primeiro dia que a vi.
-Quantas
pessoas você já matou? – perguntou o vampiro.
-Onze
– disse de cabeça baixa- da lista, falta cinco, sem contar com Carol.
-Como
as pessoas chamam esse assassino em serie na sua cidade? – perguntou o vampiro
Turton com certo ar de deboche.
-O
enterrador.
-O
que você sente pelos parentes que acabaram de me alimentar?
-Nada,
a não ser a menina, tinha uma pequena ligação com ela, porém destino é destino.
O
vampiro levantou.
-Valquíria
pegue aquele presentinho, o que está guardado lá no seu quarto em uma caixa de
joias - ela foi para o quarto e voltou
comum estojo, uma faca de prata com um detalhe em diamante na ponta.
-Senhor
Jeferson, todo vampiro tem que se alimentar, porém a coisa está feia, tenho
envelhecido e odeio ficar escondido nesse lugar, minha força está acabando –
ele fez um gesto displicente com a mão – essas historias que escuta sobre vampiros,
são poéticas, o sangue não é um alimento espiritual é uma certa proteína que se
encontra no sangue que mantem a minha vida, três humanos sem ela apenas algumas
horas de vitalidade, um humano com a proteína no sangue são meses de vitalidade
– disse olhando-me nos olhos – e sem essa carnificina que eu odeio, você vai me
ajudar. Outra coisa poética das historias de vampiros, não trasformamos mais as
pessoas, pois envelhecemos, o planeta envelheceu, tudo envelhce com ele, após
todas as mordidas deixo criaturas infelizes para trás, o que vocês chamam de
zumbis, preciso de alguém com o seu talento para finalizalas e enterra-las.
Tomou
um pouco de fôlego e continuou.
O
que acontece é que a toxina que injetamos no sangue para depois retirar a
quantidade necessária de sangue para a nossa subsistência não transforma mais o
ser humano em vampiro, não tem mais competência para isso, no passado talvez,
mas agora tudo que resta são criaturas estúpidas andando de um lugar para o
outro atrás de sangue humano, competidores infelizes – fez outra pausa para
puxar o que seria o ultimo cigarro - daí
aquela lenda sobre as pessoas virarem vampiros após a mordida é besteira, bem
em parte isso é verdade como foi no passado, as pessoas acordam com uma sede
feroz de sangue, porém, diferente da lenda, a toxina parece destruir a sua
faculdade mental, sua inteligência, tirando por menos, vampiros são criaturas
cultas, enquanto essas criaturas não sabe o que é direita ou esquerda, se
chegaram perto de sangue fresco elas fazem um estrago, bem feio e sujo,
pesquisei um jeito de eliminar essas criaturas para que elas não me aborreçam,
então achei em um livro de magia antigo este desenho – mostrou um crânio sendo
perfurado uns milímetros abaixo do olho direito por um ferro pontiagudo – isso
é uma lobotomia a moda antiga, isso funciona com eles, assim já tenho a forma e
agora só precisava do auxiliar correto, alguém que gostasse de matar e que
talvez aceitasse o emprego.
Ele
me entregou a peça que parecia uma joia.
-Venha
ver uma coisa – ele me levou até a janela o que vi me deixou assustado e
esperançoso, o vampiro abriu a porta para que eu saísse, meu pai, minha mãe,
túlio e Geórgia andavam sem direção, o que mais poderia chamar de zumbi, senão
aquelas pessoas, vieram direto para mim.
O
vampiro falou.
-Tem
que enterra-los depois, bem fundo, como uma cruz vermelha intensa, como fez com
a sua amiga Carol, como enterrador sempre faz.Quanto a como matá-los, já sabe,
bem abaixo do olho – disse e fechou a porta, quando eles ouviram o barulho da
porta todos olhavam para mim, vieram em minha direção, o primeiro que enfiei a
faca debaixo do olho foi Túlio, depois foi fácil, muito fácil, o mais prazeroso
foi quando todos estavam caídos e restava apenas o meu pai.
Hoje vago pelas ruas, não sou um vampiro,
sei que eles existem e sirvo a eles, há outro problema nesse emprego, tenho que
achar as pessoas com a proteína, eles me
chamam : o enterrador.
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